05/05/2017

Medicina perde Dr. Hélio Brandão, precursor da Medalha de Lucas

Ocorre neste sábado, às 11h, em Curitiba, o sepultamento do também músico, poeta e fundador do Clube da Soda, com trabalho médico e humanitário relevante

clique para ampliar>clique para ampliarDr. Hélio recebe a Medalha de Lucas das mãos do Dr. Salim. (Foto: CRM-PR)

A medicina paranaense perdeu esta semana um de seus mais ilustres expoentes, reverenciado por seu histórico ético exemplar na profissão, trabalhos sociais, humanitários e culturais e também como professor a influenciar gerações de médicos e músicos. O Dr. Hélio Brandão (CRM-PR 563) faleceu na noite de quinta-feira (4) no Hospital Pilar, onde tinha sido internado. Iria completar 94 anos de idade. Era casado com D. Ophélia Moreira Brandão e tinha sete filhos, seis deles músicos profissionais. O corpo está sendo velado no Cemitério Parque Iguaçu (capela 4), onde ocorre o sepultamento às 11h manhã deste sábado (6).

O Conselho Regional de Medicina do Paraná registra com profundo pesar o falecimento do eminente profissional, que foi o primeiro a ser distinguido com a honrosa “Medalha de Lucas – Tributo ao Mérito Médico”, em 1996, em reconhecimento à sua trajetória de dedicação às causas sociais e humanitárias. Foi ele o criador do chamado “Clube da Soda”, em meados do século passado, num projeto que acolhia e tratava crianças e também adultos vitimados pela ingestão de produtos químicos, sobretudo a soda cáustica de uso tão comum no ambiente doméstica daquela época. A homenagem ocorreu durante a solenidade do Dia do Médico daquele ano e mereceu destaque na edição inaugural do Jornal do CRM-PR. O Dr. Hélio também foi conselheiro do CRM, no período de 1963 a 1968 e era acadêmico emérito da Academia Paranaense de Medicina.

Formado em 1949 pela Universidade Federal do Paraná, o Dr. Hélio Brandão teve intensa vida profissional até meados da década de 1990, quando passou a dedicar mais tempo às outras suas grandes paixões: a família, a música e a poesia. Assim, em 1996 ele também lançou o livro “História viva de um ideal: uma orquestra, uma família e uma profissão”. Nessa obra ele conta importantes passagens de sua vida, como a orquestra que nasceu dentro de sua casa e depois se transformaria na Orquestra da UFPR.

“Foi no meio musical que fiz os melhores amigos e construí minha família. Na orquestra eu conheci minha esposa, Ophélia, pianista. Deste casamento nasceram sete filhos, que se dedicaram à música. Só um deles, Renato, optou por uma carreira técnica, a engenharia. Uma das filhas abandonou a medicina no quarto ano para se dedicar à música”, relatou o Dr. Hélio em uma entrevista para compor o número 1 do Jornal do Conselho.

Reproduzimos a seguir o material jornalístico publicado no Jornal do Conselho há 20 anos, marcando a homenagem ao Dr. Hélio Brandão com a distinção da “Medalha de Lucas”, honraria que neste período somente alcançou outros 11 ilustres médicos comprometidos com causas sociais, humanitárias e da formação de médicos éticos. Dentre os homenageados estão a Dra. Zilda Arns Neumann, o Dr. Júlio Raphael Gomel, o Dr. João Manuel Cardoso Martins, o Dr. José Maria de Araújo Perpétuo e o Dr. José Justino Filgueiras Alves Pereira, todos falecidos.

clique para ampliar>clique para ampliarDr. Hélio era Acadêmico Emérito da Academia Paranaense de Medicina. (Foto: APM)

Entrevista publicada há 20 anos

“Com quase meio século de experiência médica, Dr. Hélio Brandão é homenageado pelo Conselho Regional de Medicina com o prêmio “Medalha de Lucas – Tributo ao Mérito Médico”. A premiação é o reconhecimento como um dos mais renomados profissionais da Medicina paranaense e, principalmente, pelos trabalhos sociais e culturais desenvolvidos durante toda a vida.

Em 1950, quando recém-formado em Medicina pela Universidade Federal do Paraná, Dr. Hélio já iniciava sua vida profissional. Ingressando à equipe do Dr. Giocondo Villanova Artigas e do Dr. João Luiz Bettega, no Sanatório Médico Cirúrgico do Portão teve suas primeiras experiências como médico. Durante um ano e meio, acompanhou os trabalhos de tratamento doenças broncopulmonares e tuberculose desenvolvidos pela equipe.

Para atender à necessidade de um especialista em endoscopia no grupo, em 1952 dirigiu-se a São Paulo, onde fez o curso de endoscopia peroral com o cirurgião Plínio de Mattos Barreto, no Hospital das Clínicas da USP (Universidade de São Paulo). Ao retornar a Curitiba, um ano depois, o Dr. Hélio juntou-se à equipe do Sanatório Cirúrgico do Portão para montar o segundo serviço de endoscopia do Paraná. Até então existia apenas o trabalho pioneiro do Dr. Colmar Chinasso para atender às necessidades de todo o estado.

As dificuldades para a montagem deste serviço não foram poucas. Eram necessários equipamentos modernos e de custos elevados, com os quais o hospital não podia arcar. Com um trabalho de conscientização da necessidade da implementação de mais serviços de endoscopia, a equipe conseguiu que o Estado enviasse recursos para a instalação de um pequeno centro cirúrgico no Sanatório. “Aquele espaço ainda não era suficiente para o tratamento de todos os pacientes”, lembra o Dr. Hélio. Em 1954, ele montou o mesmo serviço no Hospital Nossa Senhora das Graças, onde passou a atender também.

Foi nesse hospital que desenvolveu uma das maiores atividades envolvendo a Medicina e o trabalho social. Trazido dos Estados Unidos, o costume de utilizar soda cáustica para a fabricação de sabão caseiro causou inúmeros acidentes com a ingestão desta substância. Crianças e adultos que ingeriam soda cáustica apresentavam queimaduras por toda a extensão do esôfago e estômago. A cicatrização desses edemas provocavam um aumento da parede destes órgãos, que não permitiam a deglutição nem mesmo da saliva. Com a endoscopia, fazia-se uma dilatação que permitia aos pacientes o ato de engolir.

Durante a execução dessa atividade, o Dr. Hélio deparou-se com um problema social. A maioria das crianças vitimadas pela ingestão de soda cáustica fazia parte da parcela marginalizada da sociedade e muitas vezes não tinha lugar para ficar durante o período de tratamento ‑ de dois a três anos. Para zelar pela continuidade do acompanhamento do problema, médicos e famílias das vítimas se mobilizaram para a fundação, em 1960, do “Clube da Soda ‑ Hélio Brandão”, um espaço para abrigar as crianças em tratamento.

Este foi apenas o primeiro de uma série de trabalhos sociais que o Dr. Hélio viria a desenvolver por toda a sua carreira. Naquele período, além do abrigo, montou uma equipe para desenvolver campanhas de conscientização da periculosidade do uso da soda cáustica dentro de casa. Com esse trabalho, conseguiram, além de espaço para seus alertas em rádios e TVs, levar por três vezes ao Congresso Nacional projetos de leis proibindo o uso de soda cáustica no ambiente doméstico, os quais “acabaram morrendo” nas comissões, relembrou.

Durante toda a carreira médica, o Dr. Brandão intercalou a competência profissional ao trabalho social. Neste outubro de 1996, já há quase cinco anos afastado da profissão, ainda revela suas preocupações com questões relacionadas ao uso doméstico da soda cáustica: “A soda sumiu durante um tempo das prateleiras dos supermercados, mas hoje está de volta como componente principal dos detergentes mais poderosos. Eles contém quase 10% de soda cáustica em sua composição”, admira-se.

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