17/04/2009

Médico e colecionador nas horas vagas

Canetas, santos e selos. As coleções dos profissionais que lidam com a vida não param por aí.


O neurologista Ehrenfried Wittig, 72, saiu de casa para comprar um relógio antigo, desses de parede. Encontrou na casa de um mecânico, em Rio Negro, interior do Estado, não apenas o relógio, mas três ferros antigos de passar roupa. E comprou os três. Quando chegou em casa, se deu conta que já tinha outros dois; uma coleção de cinco. Hoje, quarenta anos depois, são mais de cem. O hábito do colecionismo está na vida do médico desde a infância, em que guardava papéis de bala e lápis. Wittig lembra que o Museu da Associação Médica do Paraná (AMP), criado por ele, tem uma bela coleção de lápis relacionados à história da medicina.

Em Curitiba são outros tantos médicos como Wittig que são adeptos das coleções. De itinerários de ônibus a orquídeas, de chaves a canetas promocionais de laboratório, pululam coleções de profissionais que, no dia-a-dia, trabalham com a saúde humana. O tema motivou Wittig a organizar, a cada par de anos, sem muita regularidade, o Concurso de Médicos Artistas, em que colecionismo já foi o assunto em questão por duas vezes - o que levou séries de automóveis antigos, entre outros objetos peculiares, para a frente da sede da AMP, que abrigou o evento.

Ele conhece muitos médicos que são colecionadores, mas que, em sua opinião, não têm uma relação especial com a profissão. Algumas das coleções de Wittig hoje fazem parte do museu que criou - que, por sinal, está em busca de uma sede nova, capaz de guardar todos os volumes; apenas os livros já passaram de 15 mil. 'Ele prima por guardar aquilo que tem o sentido ou cunho de ultrapassado', diz. 'Só não temos lugar para colocar médico velho. E não é porque a gente não gosta', brinca.


Wittig é um verdadeiro juntador. No passado, doou 400 fósseis para o museu de Mafra (SC) e outros 200 para o de biologia da Universidade Federal. Os ferros de passar roupa, estes ele garimpava ao lado dos dois filhos. 'Era um programa de fim de semana. Eu ia ver se achava algum no ferro velho enquanto eles brincavam', lembra. Sua esposa, que por vezes acompanhava, é outra colecionadora de primeira. E, influenciada por um amigo, guarda em casa e na casa de praia todos os tipos de coruja - desde pequenas e delicadas em cristal a algumas de madeira.

Uma cristaleira no escritório da casa de Wittig acomoda 40 ferros de passar roupa em miniatura. Um em tamanho real ganhou de presente e de sacanagem de um amigo e veio acompanhado de purpurina e uma flor. Não faltam variedades entre os modelos e o apaixonado é capaz de ressaltar cada detalhe técnico. Tem os movidos a gás, a álcool e até mesmo os primeiros elétricos. Ele já foi tentado a comprar alguns dos mais novos, mas, até o momento, tem respeitado o seu conceito de guardar os ultrapassados. O médico admite, não usou nenhum deles para passar uma roupa sua. 'Quando era criança tinha esse hábito, mas foi por aquela época a última vez que fiz isso.'

Um pesa mais de sete quilos. Outro, de tamanho diminuto, tinha uso específico. 'Para detalhes das roupas daqueles antigos reis e lordes. Tinha de ser pequeno', explica. Amigo do irmão de Poty Lazzarotto, certa vez foi surpreendido pelo pintor quando comprava ferros na feirinha do Largo da Ordem. 'Eu vou te desenhar', ouviu. Parece até lenda. Mas um desenho, feito a nanquim, com assinatura e datado de 1974, está na parede da sala, bem perto do relógio de parede, do início da história com os ferros. Nele, o médico é retratado com peças da sua coleção. Wittig chegou até a entrar em contato, mas, até hoje, nunca filiou-se ao Club des Amis des Fers à Repasser, o clube que reúne os colecionadores da modalidade.

Guarda recortes e revistas que citam o ferro de repassar. Na revista Lavanderia e Cia, edição de 1994, o jornalista em questão mostra seu dote. 'Ao criar os alisadores e os ferros de passar, o homem domou a rebelião das fibras têxteis, sempre prontas a se amassarem.' De algum modo, Wittig divide seu entusiamo com o pintor italiano Giacomo Balla, cuja frase foi reproduzida no texto de apresentação de uma exposição de ferros de passar antigos realizada em 1990 pelo Museu de Arte de São Paulo, o MASP, em mais um dos recortes da coleção. 'É mais belo um ferro elétrico que uma escultura.'


Juntador, não

Quando a Academia Paranaense de Medicina decidiu fazer uma série de palestras, convidou Ari Leon Jurkiewicz, 64, que ocupa a cadeira de número 28, para falar sobre a história da anatomia universal. Aposentado da universidade, em que deu aulas por 30 anos, e, em sua contagem, formou mais de sete mil médicos, parou e refletiu. 'Aí me veio a pergunta. Vou apresentar como sempre fiz?'

Recorreu à sua coleção de selos. 'Fui ver os meus álbuns e, conclusão, tinha quase tudo em selos.' Quatro anos passados e empolgado com o resultado, Jurkiewicz já contou a história do descobridor dos raios X - 20 slides e 70 selos, em uma apresentação de 15 minutos - e agora prepara a história dos raios X, em que serão vistos em meia hora algo como 150 selos em 50 slides.


Um selo marcado com o valor de R$ 0,84 centavos é um bom exemplo do processo desenvolvido pelo dr. Ari. Feito em 1995, em comemoração dos 150 anos do nascimento de Wilhelm Conrad Rontgen, traz no fundo a imagem da primeira radiografia da história, a mão direita de Anna Bertha. 'Ela era a esposa do físico. Uma criança olha para o selo e descobre, com uma simples conta de subtração, o ano em que ele nasceu', diz.

Jurkiewicz faz clínica médica e começou a juntar selos quando tinha sete anos. Mas é colecionador, como ele frisa, desde os onze, motivado por um vizinho, comerciante filatélico. 'Juntar é adicionar uma peça com as outras. Colecionar significa ordenar, ter método', explica. Mais tarde, há 30 anos, quando já tinha milhares de selos, decidiu afunilar os objetivos da coleção, guardando os relacionados à história da medicina universal. Há cinco anos, é o presidente da Sociedade Filatélica no Paraná. Em atividade desde 1944, é a única remanescente do gênero no Estado e realiza dois encontros semanais, às quartas pela manhã e às quintas à noite, em sua sede na Galeria Lustosa, no centro da cidade.

Antes, ele explica, fazia sentido colecionar todos os selos. Hoje, em que o número de emissões anuais aproxima-se dos dez mil, é praticamente impossível. Os temas são bastante específicos. Outro médico, de Curitiba, tem a maior coleção do País de selos ligados à Cruz Vermelha. Da coleção mais curiosa que conheceu, outro guarda os que têm imagens de sapatos. 'O selo tem o mesmo significado para o colecionador que uma tela. É uma tela. E vamos atrás de quem pintou, onde viveu e qual o significado', diz. 'Um selo é uma obra de arte.'

Quanto aos colegas de profissão colecionadores, ele conhece alguns. Mas entende que, para a maioria dos médicos, coleção é perda de tempo. 'Ou eles não têm tempo ou paciência. Os que têm preferem telas e carros, e vêem como um negócio, investimento', diz. 'E, claro, tem aqueles que colecionam imóveis.'


A vida e o santos

Marília Cristina Milano Campos, 54, encontrou uma referência comum ao seu hobby e à sua profissão. Trabalha com clínica médica e, no tempo livre, além de ler e cuidar de suas outras coleções, pinta santos em gesso. 'Parece que eles ganham vida, enquanto a vida é a grande bandeira da medicina', diz. Nossa Senhora Mãe de Deus foi a primeira da coleção. Ganhou de sua mãe, Ilda, quando tinha sete anos. Hoje tem mais de 100 santos, de São Longuinho, bastante requisitado, a São Lucas, o padroeiro dos médicos.

Há quatro anos começou a pintar os próprios em gesso - sem dúvida, muito mais bonitos que os comprados prontos. E, hoje, tem uma verdadeira produção em série, com onze a caminho. Guarda poucos e, a maioria, já pinta pensando em presentear. Um trabalho artesanal, que leva de três a seis meses por peça. Agora, está passando o hobby para uma comadre, que também é médica, em aulas às quartas-feiras. 'Acredite, aprendi a pintar em gesso assistindo a um programa de televisão', revela. Mais tarde, fez curso no Sesc, o que ajudou a refinar a técnica.


'Destralhe-se', sugeriu-lhe um conselheiro federal do Conselho de Medicina. 'Ou vai afundar a sua casa.' Ele não exagerou. E, como ela brinca, sua casa, de pessoas que adoram fantasiar, parece de brinquedo. Ainda guarda parte da sua coleção de bonecas de infância e, há pouco, começou uma de bonecas com poucas peças de roupa. A de peixes em vidro azul, iniciada em 1994, tem 19 exemplares e a de peso de papel, começada por um de vidro soprado presenteado por um cliente, já tem um bom punhado. 'Tudo que me davam era motivo para coleção', conta. 'Algumas tive de interromper por falta de espaço.'

As xícaras de porcelana, coleção iniciada pelas que recebeu de herança de sua avó, são um dos casos das paradas pela questão espacial. Mas volta e meia, ainda acha uma que não dá ficar sem. 'Depois é um Deus nos acuda para achar lugar. '

Bastante católica, tem se dedicado à pintura dos santos. Mas leva o divertimento a sério e pinta de acordo com as imagens da igreja. Usa como referência o cademeusanto.com.br, site de buscas bastante específico. E, agora, o hábito continua em sua família. A jovem Ana Cristina já tem guardado os brindes que vem nos salgadinhos e chocolates.


Fonte: Folha de Londrina

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