Médicos federais contra a MP/568/2012

É muito interessante observar como muitas vezes a mídia, no nosso país, é tendenciosa. Há assuntos que são recorrentes, tanto na imprensa falada como na escrita. Por exemplo, críticas aos médicos, aos planos de saúde, ou ao atendimento nos hospitais públicos, isso em geral, rende muitos minutos de notícias nos principais jornais e telejornais do Brasil. Porém, quando o assunto é uma injustiça inconstitucional que atinge a 50.000 médicos, praticamente, nada é publicado. Pouco tem sido trazido a público, a respeito da Medida Provisória 568/ 2012, que, nos Artigos 42 a 47, 86, 87 e 105 inciso II, levam à redução de 50% dos salários dos médicos do Poder Executivo da União, além de reduzir a insalubridade em aproximadamente 80%.

Quem são esses 50.000 médicos que estão passando por essa situação surreal? São médicos que exercem Medicina nos hospitais federais, nos hospitais universitários das Universidades Federais, nos Institutos, como no Instituto Nacional do Câncer ou em postos do antigo INAMPS, que foram municipalizados com a implementação do SUS. Como fica claro, são médicos que estão na linha de frente do atendimento à população mais carente. São aqueles que tentam fazer a melhor Medicina, trabalhando em locais onde as condições de trabalho são, na maioria das vezes, inadequadas; enfrentam no seu dia a dia a falta de vagas para internações de pacientes graves, a inexistência de equipamentos de excelência para realização correta dos diagnósticos e que são muitas vezes obrigados a driblar a ausência de medicamentos essenciais. Não raramente têm carga de trabalho excessiva, uma vez que são em número insuficiente, pois além dos concursos serem raros, para a relocação de profissionais aposentados, mortos ou exonerados, os concursados não tomam posse ou abandonam o trabalho após alguns meses, em função das precárias condições de trabalho, da falta de perspectiva na carreira pública e, sobretudo, devido ao fato de os salários oferecidos serem muito baixos quando comparados com o mercado de trabalho na medicina privada.

A idade cronológica média desses profissionais é calculada em torno de 45 anos e poucos são os que exercem concomitantemente medicina privada, estando, portanto, fora desse mercado de trabalho. Foram admitidos no serviço público federal através de concurso público, diga-se de passagem, concursos dificílimos, em que apenas a elite médica era aprovada. Esses profissionais se destacariam em qualquer outro cenário, além dos hospitais públicos e das Universidades, poderiam até mesmo ter saído do país, mas acreditaram no Brasil, no Governo Brasileiro, imaginaram ser possível viver, trabalhar, aposentar e morrer sendo médico do Poder Executivo da União. Grande engano! Foram traídos! A Medida Provisória 568/2012 veio trazer essa triste conclusão. Não poupou nem aqueles que já se aposentaram e hoje estão velhos, muitos doentes, alguns já falecidos, deixaram viúvas que dependem de suas pensões para sobrevivência. Com certeza absoluta a inclusão dos aposentados e pensionistas nessa lei foi a maior prova da covardia, crueldade e insensibilidade dessa Medida Provisória.

A razão de tudo isso pode não estar clara para a maior parte da população brasileira que não vem acompanhando as mudanças lentas e graduais implementadas na gestão dos serviços de saúde pública em todo o país, nos últimos anos. No dia 15 de dezembro de 2011, a Presidente Dilma sancionou a Lei Número 12.550 que cria a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares, em seu Artigo 1, é definida como uma empresa de personalidade jurídica, de direito privado e patrimônio próprio, com prazo de funcionamento indeterminado, que não será selecionada através de licitação (Artigo 5). A EBSERH será responsável pela administração dos hospitais federais, inclusive os Universitários, responsabilizando-se, inclusive, pela gestão dos recursos humanos, com a contratação de funcionários de todos os níveis, regidos pelas Leis da CLT. O Artigo 11 determina que essas contratações de pessoal poderão ocorrer através de processo seletivo não obrigatoriamente por concurso. Fica bastante claro no Artigo 8, parágrafo único, que o lucro é a missão dessa empresa, como o é em qualquer outra empresa de cunho privado.

O princípio básico da gestão empresarial é gastar menos para ganhar mais, e despesas devem ser diminuídas, inclusive as com profissionais. Havia, entretanto, um obstáculo a ser vencido: como essa empresa conseguiria administrar funcionários com salários diferentes, exercendo as mesmas funções? A solução encontrada parece que foi nivelar por baixo todos os salários, assim arquitetaram o corte de 50% do salário dos médicos. Assusta o fato de que essa empresa, que tem como missão o lucro, terá também atuação nos planos de ensino e pesquisa dos hospitais universitários, conforme Artigo 4. Esses médicos contratados sem concurso, sem exigência de qualificação, serão nos hospitais universitários os responsáveis pelo ensino dos alunos e supervisão dos Residentes. Enfim, tudo isso interferirá, negativamente, no exercício pleno da medicina, na formação dos novos profissionais e na expectativa da população em geral.

É evidente que essa lei traz embutida uma mudança radical no atendimento médico no Brasil, que dificilmente se manterá afinado com a Lei Orgânica da Saúde de 1990, baseada no Artigo 198 da Constituição do Brasil de 1988, que garante o direito à universalidade, integralidade e equidade a todos os cidadãos.

Após tomar conhecimento da lei 12.550 e do intuito de sua elaboração, o que parecia apenas um ato de perseguição inexplicável a uma fatia pequena e sem peso político da classe médica, passa a ter outro foco, deixa de ser um problema restrito a uma categoria e se torna uma ameaça a toda a população brasileira. Pior do que viver em um país que não tem como meta o bem estar de sua população é viver no país em que os direitos dos cidadãos, adquiridos com luta pelas gerações anteriores, são subtraídos.

O povo brasileiro lutou contra governos autoritários, acreditou que a democracia tinha vencido, comemorou uma Constituição digna para um povo que amargou e amarga tantas injustiças sociais. Mas, parece que tudo foi em vão. O prognóstico que se anuncia é o pior possível: Tuberculose, AIDS, Diabetes, Hipertensão Arterial, Câncer, Infarto Agudo do Miocárdio, Depressão, Dor ...

Muita dor pelo Brasil que parecia que ia dar certo.



Niterói, 05 de junho de 2012.




Artigo escrito por Maria Emilia Lopes Monteiro, professora da Universidade Federal Fluminense e médica do Hospital Universitário Antônio Pedro.

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