Médicos não matam

A recente resolução do Conselho Federal de Medicina sobre a terminalidade da vida com foco na ortotanásia (morte correta) tem trazido muita inquietude para todos aqueles que se preocupam com o processo de morrer. A normatização aprovada permite - mas não obriga - ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal de enfermidade grave e incurável, respeitadas a vontade da pessoa ou de seu representante legal.

Na prática, os médicos continuarão fazendo o que têm feito, mas agora passam a contar com uma orientação expressa de como proceder diante dessa situação crítica. A resolução do CFM remete à dignidade da pessoa humana, à escolha de como se vai morrer, mas está muito distante da eutanásia (ato deliberado de terminar a vida de um paciente), que é considerada crime no ordenamento jurídico nacional. A medida, apesar de opiniões divergentes, é legal e tem fundamento no Artigo 5º da Constituição Federal, que estabelece que ninguém será submetido a tratamento desumano ou degradante, e está longe de ser considerada homicídio privilegiado (aquele cometido por motivo de relevante fator social ou moral).

Os limites entre a ética e a lei civil muitas vezes são difíceis de delimitar, mas neste caso, se conflito existe, é aparente. Não há falta de assistência, os médicos não têm autorização para matar e não se transformam em donos da vida e da morte. Reconhecem os limites da medicina e compartilham a informação com o paciente e sua família, e a partir daí decidem, em conjunto, o caminho a tomar.

A prioridade é a pessoa doente e não o tratamento da doença. Os médicos registrarão no prontuário a decisão fundamentada e assegurarão ao doente ou seu representante legal o direito de solicitar uma segunda opinião médica. É preciso refletir um pouco mais sobre o significado ético da vida e da morte. Praticar a obstinação terapêutica que resulta na distanásia (morte lenta e dolorosa) é uma forma de cuidado indesejável. Não é ético que se continue adiando a morte às custas de insensato e prolongado sofrimento para os doentes terminais e sua família. É igualmente importante analisar em profundidade a finitude do ser humano e a obstinação de manter a vida biológica a qualquer custo.

O ser humano sempre será uma complexa realidade biopsicossocial e espiritual em que, se presente a sabedoria, encarará a morte como sendo um fenômeno tão natural quanto o nascimento. A medicina tem como principal objetivo aliviar e não prolongar o sofrimento do ser humano. Na doença como na vida, a verdade é o melhor caminho.


Artigo escrito pelo presidente do Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul, LUIZ AUGUSTO PEREIRA, para o jornal Zero Hora (RS) - 15/11/2006

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