O Brasil e seus tristes extremos

O Brasil é historicamente um país de extremos. Nas grandes metrópoles, por exemplo, é comum ver bairros com mansões cinematográficas e bolsões de pobreza lado-a-lado. Os contrastes se dão em todas as áreas, inclusive naquelas em que somos consideramos referência no planeta. Veja o caso do futebol: produzimos e exportamos craques de primeira grandeza, mas temos muitos dirigentes de terceiro mundo. O resultado é que nem aí exploramos adequadamente nossa potencialidade.

O mesmo, infelizmente, acontece com nossa medicina, setor essencial para a qualidade de vida de nossos cidadãos. Também somos referência nessa área. Temos centros de excelência em praticamente todas as especialidades, um bom número de médicos com formação impecável, e já nos transformamos num pólo do chamado turismo em saúde. Gente dos mais diversos países vem para cá em busca de tratamento de qualidade.

O problema é que mesmo nessa área tão brilhante e pujante temos problemas gravíssimos. É triste a realidade do Sistema Único de Saúde, uma proposta espetacular no papel, mas que ainda não se consolidou por desleixo, descompromisso e omissão de muitos legisladores e gestores. São filas intermináveis, hospitais sucateados, falta de incentivo aos recursos humanos, carência de profissionais e assim por diante.

Parcela desse caos tem origem em um ponto conhecido por todos: a escassez de financiamento. Especialmente por parte do governo federal, que reluta em encarar a saúde como prioridade e liberar sua bancada de deputados e senadores para aprovar as leis necessárias a ampliar os recursos ao setor. A conseqüência é que o investimento, por habitante, é um dos mais baixos da América do Sul. Só para ter uma idéia é metade do realizado pela Argentina. Aliás, levando-se em conta a relação investimento/arrecadação, o gasto brasileiro também é algo em torno da metade do registrado nos demais vizinhos latino-americanos.

Estudo recente da Fundação Instituto de Administração (FIA), ligada à Universidade de São Paulo (USP), atesta que a destinação à saúde em 2007 e em 2008 (cerca de R$ 50 bilhões) manteve o orçamento do setor no medíocre patamar da década de 90: o equivalente a US$ 280 anuais por pessoa. Lamentavelmente, estamos bem longe da média mundial de US$ 806 per capita.

A crise não pode ser considerada desculpa, pois o problema perdura desde há muito. Também não é possível explicar o caos na tão propagada carência de recursos dos cofres públicos, pois não falta dinheiro para viagens nababescas, para contratação de quadros de confiança a peso de ouro, para os incontroláveis aumentos de salários do legislativo, do executivo e judiciário, entre outros abusos.

Não podemos dizer, é verdade, que a saúde do Brasil estacionou no tempo. Ao contrário, são diversos e inegáveis os avanços. Tanto que, como já frisei, somos referência na medicina mundial. Contudo, corremos o risco de por tudo a perder em breve, se não houver coerência e compromisso público com o setor.

É fundamental preservar os princípios éticos e humanos do SUS, mas é necessária pressão contínua para que se torne um sistema de fato resolutivo. Isso passa por investimentos racionáveis, por gestão competente, e também pela garantia de boas condições de trabalho e remuneração aos prestadores. No caso desses profissionais, há urgência de criação de um Plano de Cargo, Carreira e Salários (PCCS). Tais medidas podem estimular a resolutividade, além de facilitar a fixação de médicos e demais agentes de saúde no interior e em áreas remotas. Em outras palavras precisamos já de uma carreira de estado e do fim da remuneração vil.

Os médicos brasileiros temos de puxar essa luta ao lado de outros segmentos democráticos e exigir que a Constituição Federal seja cumprida. Não há o que discutir: saúde é um direito de todos. Outro ponto indiscutível: os prestadores dessa importante área social, assim como os pacientes, merecem e exigem respeito.


Jorge Carlos Machado Curi, presidente da Associação Paulista de Medicina.

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