01/02/2012

O Conselho de Medicina nos próximos 20 meses: o que pensa o novo presidente

Alexandre Gustavo Bley, novo presidente do CRM-PR.


O Conselho Regional de Medicina do Paraná tem nova diretoria para cumprir os últimos 20 meses do mandato do atual corpo de conselheiros, empossado em outubro de 2008. O cirurgião vascular Alexandre Gustavo Bley é o terceiro presidente desta gestão, que ainda teve na função Miguel Ibraim Aboud Hanna Sobrinho e Carlos Roberto Goytacaz Rocha. Formado em janeiro de 1995 pela Universidade Federal do Paraná e presente nas atividades do CRM desde 2003, Alexandre Bley tem 40 anos e se constitui assim no conselheiro mais jovem a ascender à presidência. Ele é o 19.º dirigente maior da instituição criada há 55 anos e que se aproxima de 30 mil médicos inscritos.

Além de dar sequência ao trabalho empreendido na atual gestão, que cumpre extensa agenda voltada à valorização da Medicina e seus profissionais, o novo presidente projeta incrementar algumas ações, em especial as que envolvem educação a distância, comunicação e as câmaras técnicas, estas como fonte de informação e/ou orientação permanente nas áreas médica e bioética para os médicos e à própria sociedade. Alexandre Bley ressalta que o Conselho do Paraná continuará engajado firmemente nas principais causas médicas, que envolvem melhores condições de trabalho, remuneração digna, formação médica de qualidade, regulamentação das competências médicas e plano de carreira na esfera do SUS.

Na análise sobre políticas públicas de saúde, o presidente do Conselho vê muitos equívocos, frutos não só da negligência dos gestores, mas também por iniciativas precipitadas ou desprovidas de conhecimento técnico. "As entidades médicas, em especial o Conselho, têm muito a contribuir. Cabe aos governantes ter sensibilidade para ouvir e promover os ajustes", diz Alexandre Bley, apontando para questões atuais, como a multiplicação de escolas e a instituição de bônus para residência médica numa tentativa de se promover a "interiorização" do médico. "Sem o financiamento adequado do sistema, sem condições técnicas e sem a possibilidade de o médico continuar atualizando os seus conhecimentos, a situação pouco muda. Continuaremos com usuários de serviços e profissionais de saúde insatisfeitos e conflitantes", reforça.

Depois de responder pela vice-presidência do CRM-PR nos últimos 20 meses, Alexandre Gustavo Bley dá sua primeira entrevista depois de ser aclamado pelos pares para dirigir a instituição. De caráter conciliador, pronto para uma conversa, aborda os desafios que o esperam e as expectativas, inclusive as dos médicos e também da população.


Jornal do CRM - Chegar à presidência com menos idade que os antecessores rompe algum paradigma?

Alexandre Bley - É um processo natural numa instituição que vem sendo constantemente renovada, associando juventude e experiência, mas sem se distanciar de seus requisitos de compromisso como a ética e a isenção. Segundo a pesquisa sobre demografia dos médicos, feita pelo Conselho Federal de Medicina, a média de idade dos médicos é de 46 anos, sendo que 42% dos médicos na ativa têm menos de 39 anos. É um novo perfil que se desenha e não seria diferente um médico de 40 anos assumir um cargo de tal importância. A principal questão não é a idade, mas sim como legitimar a minha presença no cargo. Um cargo só é legítimo, quando as pessoas realmente se sentem representadas por quem o ocupa. Esse talvez seja o meu maior desafio. Tenho oito anos de Conselho, com passagens pela Corregedoria Geral e Vice-Presidência. Sempre procurei ouvir muito e manter um diálogo aberto com as pessoas. Aprendi muito na convivência com os demais conselheiros e todos estes anos contribuíram para uma visão ampla sobre as dificuldades que passa a Medicina e a assistência à saúde da população. A confiança dos pares traduz isso. Acredito que houve reconhecimento pela dedicação e trabalho que desenvolvi ao longo da minha história no Conselho. É uma grande honra encerrar esta gestão, que teve início com duas pessoas do mais alto valor moral, Dr. Miguel e Dr. Goytacaz. Estamos em processo de continuidade de uma gestão, que exibe profícuo trabalho em prol da valorização da saúde da população. Este é o papel do Conselho. Estamos falando em lutar para que o médico tenha as condições necessárias e dignas para exercer a sua profissão e, consequentemente, a população tenha acesso a serviços de qualidade. É um compromisso que renovamos. Vamos emprestar todo nosso vigor a essa luta e temos certeza que todos os conselheiros, delegados e colaboradores nos ajudarão nesse intento.


P - Quais são os projetos que pretende dar prioridade para substanciar isso?

R - Um deles está associado à atuação das Câmaras Técnicas, para dar suporte na área médica e bioética aos médicos, aos gestores, à sociedade como um todo. Pretendemos reformular as existentes e criar outras que possam oferecer conhecimento técnico ou informação ágil aos profissionais e aos leigos, em especial nas situações de interesse coletivo, o que inclui as grandes demandas levadas às esferas públicas ou judiciais. Ainda neste primeiro semestre esperamos fortalecer nossas ações de educação ética e médica continuadas. Estamos investindo em educação a distância, usando os avanços tecnológicos. Vamos dar ao médico, sobretudo o dos centros menores, mais uma opção para se atualizar. Para melhorar a interação com o médico pretendemos concentrar esforços também no aprimoramento da comunicação. Vamos manter os canais atuais, como o Portal, que está sendo remodelado, mas também pretendemos nos inserir nas redes sociais, tendo um diálogo franco e aberto, aproximando-se do médico e de seus agrupamentos. A classe despertou de um processo de letargia que imperava e essas ferramentas de comunicação vêm somar esforços na propagação das ideias. Nossa participação será uma forma de legitimar as ações do Conselho e das nossas funções representativas.


P - O médico, em geral, aproveita o conteúdo informativo do Conselho?

R - O profissional, em geral, está absorvido por um cotidiano de muita correria; tem de trabalhar muito para conseguir uma compensação financeira razoável. Esta lógica no mercado de trabalho médico é nefasta, consumindo muitas horas que poderiam ser disponibilizadas para a família, lazer e atualização, seja científica ou ética. Este tempo disponível se estreita e a distância dos meios de comunicação que lhe são disponibilizados aumenta. Por isso a necessidade de explorar todas as formas de interagir, de informar. O médico tem que criar o hábito de acessar o portal do CRM, assim como acessa outros tantos. Por isso estamos trabalhando para torná-lo mais atrativo. Lá irá encontrar informações extremamente úteis para a sua prática diária. Não adianta emitirmos pareceres, resoluções, se o médico não tiver conhecimento desse material. Cabe-nos também trabalhar incessantemente para que sejam produzidas as boas notícias a que o médico espera. Em especial as que tratam da valorização da profissão.


P - Quando se fala em condições de trabalho para o médico, remonta-se a uma questão histórica e que parece exibir uma falta de comprometimento do profissional com o interesse coletivo. É isso ou as mobilizações de 2011, como a de 7 de abril, acenam para um novo momento?

R - O ano de 2011 foi um bom indicativo. Mas o médico precisa se conscientizar de seu papel, de que é formador de opinião, que tem credibilidade e contato direto com a população e, por isso, pode construir um futuro melhor para a profissão. Estamos todos no mesmo barco, representantes e representados. A comunicação e a participação de todos é fundamental; sem essa força nenhuma entidade conseguirá vencer as barreiras e obter as vitórias necessárias para a classe, sob pena de sermos taxados de omissos. O nosso Congresso é um bom exemplo dessa omissão. Apesar de representantes da Medicina formarem um dos maiores contingentes daquela corte legislativa, até hoje não conseguimos regulamentar a própria profissão, delimitando as competências médicas. Poucos são os avanços em projetos de interesse dos médicos e da sociedade. Outros tantos são relegados a planos intermediários, com aval ou benevolência do Executivo. Tivemos há pouco a regulamentação da Emenda Constitucional 29, depois de uma década de idas e vindas e mais de 23 anos depois da instituição da Carta Magna que estabeleceu a saúde como direito de todos. A expectativa de financiamento realístico para o SUS foi frustrada, elevando a agonia dos que prestam e dos que buscam serviços no sistema que, em pesquisa recente da CNI, foi avaliado como bom ou ótimo por somente 10% da população. Não é referencial indicativo de resolubilidade dos serviços, mas atesta que o sistema está deficiente, apesar de conceitualmente ser um dos mais modernos do mundo e o de maior inclusão social.


P - Em resumo, as políticas públicas de saúde estão ou são equivocadas?

R - Na minha visão, equivocadas. Não exatamente por má-fé ou apenas por má-fé. Há boas iniciativas, mas a grande maioria esbarra em hesitações ou precipitações, talvez em decorrência de falta de respaldo técnico. E é nisso que nós, Conselho de Medicina e médicos, juntamente com as demais instituições representativas, podemos cooperar, oferecendo subsídios ou ajudando a corrigir cursos de ações públicas. O problema da interiorização do médico, levando-o a locais desassistidos, deve ser encarada de forma prioritária e definitiva. Não são com medidas paliativas que vamos resolver a situação, podendo inclusive agravá-la. Sem as condições mínimas para a boa prática da Medicina e a presença de profissional qualificado, os médicos ficarão expostos a riscos éticos e a população não sendo atendida com qualidade e segurança. Dentro dos mecanismos atuais, o programa de residência é o modelo ideal para a especialização médica, daí a necessidade de um projeto definido. Necessitamos de um maior acesso às vagas dos programas e estas precisam ser criadas de acordo com as necessidades de cada região. Do mesmo modo, é um grande equívoco supor que abrir mais 5 mil vagas em escolas médicas vai resolver o problema da falta de médicos nos centros menores. Insisto que temos no País médicos em número suficiente. O que falta é oferecer-lhes os meios necessários para praticar a Medicina. Entendemos que, no sistema público, a compatibilidade de um plano de carreira e infraestrutura técnica será o caminho para fixação do médico. Ofertas salariais vultosas têm sido atrativo momentâneo de muitas municipalidades, muitas vezes impelidas a resolver só uma questão burocrática para receber recursos federais da saúde. Quando o médico se defronta com a realidade do dia a dia, o rodízio da vaga prossegue. O governo, junto com a sociedade, deve definir de uma vez por todas o modelo assistencial que quer neste País.



P - E a expansão dos cursos de Medicina?

R - Nós somos favoráveis a uma análise qualitativa. Assim, instituições sem qualidade, que não demonstrem força acadêmica e técnica, que visam unicamente o lucro, devem ser revistas e fechadas. A sociedade está buscando isso. Agora, não podemos nos opor que sejam abertos cursos comprometidos com a boa formação, que tenham corpo docente qualificado e com hospital-escola bem estruturado. Não somos contra a abertura de novas escolas, simplesmente por sermos. A busca é pela qualidade do ensino e não pela quantidade de formandos. Não entendo como o MEC ainda mantém o credenciamento de escolas sem a infraestrutura mínima, como por exemplo um hospital-escola.



P - Sobre a relação com as operadoras de saúde...

R - Experimentamos alguns poucos avanços desde a adoção da CBHPM. Contudo, ainda há um longo caminho a se percorrer para que alcancemos também uma remuneração justa na saúde suplementar, com contratualização e critérios claros para o equilíbrio da relação econômica. A parceria firmada com a Fundação Copel ainda está longe de ser entendida como o referencial de valores ideal para os médicos, pois a defasagem é abissal. Mas é de se reconhecer que foi um primeiro e importante passo com aquele grupo de autogestão e para as negociações com as demais operadoras. De uma vez por todas eu espero que as operadoras acordem para o fato de que sem médico não existe sistema de saúde. Quem é o ator principal? O que os planos de saúde vendem? É o trabalho médico que está em evidência; é isto que é oferecido. Não existe consulta, exame, cirurgia, independente de tecnologia, sem que um médico se responsabilize. A quebra de paradigma é exatamente oferecer uma condição de trabalho digna ao médico, com remuneração compatível. Hoje os médicos trabalham desmotivados e o litígio impera nas relações. Quando se mudar esta lógica, valorizando o profissional, acredito que esses conflitos cessarão e o usuário do plano de saúde perceberá isso. Infelizmente o diálogo nesse campo está truncado. A grande dificuldade que enxergo é como discutir ética quando estamos abaixo da linha da dignidade profissional.



P - No âmbito administrativo-cartorial, quais os desafios em sua gestão?

R - Queremos fechar a gestão com as sindicâncias, processos e também os pareceres totalmente em dia. A corregedoria está passando por processo de digitalização que vai propiciar maior rapidez no trâmite de documentos. Manteremos a estrutura das consultas feitas pelos médicos e pela população, que ganharam em agilidade. Em 2011 aproximadamente 450 consultas tiveram resposta imediata, enquanto outras 76 tiveram esclarecimento a partir de pareceres. Nestes, por depender de decisões colegiadas, há necessidade de um tempo maior, mas alcançamos um grau maior de eficiência. Vamos continuar dando ênfase às ações do Defep, fiscalizando as condições dos serviços de saúde, de modo a assegurar o respaldo ético aos que prestam e aos que usufruem dos serviços. Espero que o Conselho possa ser um grande mediador dos conflitos identificados nas fiscalizações. Neste aspecto, ainda, pretendemos dar continuidade ao programa de capacitação das Comissões de Ética dos estabelecimentos.



P - E as ações fora da Sede de Curitiba?

R - Vamos continuar o programa de adequação de todas as Delegacias do ponto de vista estrutural, para que continuemos a oferecer todos os meios para que elas possam cumprir efetivamente suas funções, sejam na atenção ao médico ou nas atividades cartoriais, como repasse de informações relativas aos procedimentos instaurados. Estimularemos as ações preventivas, através da educação do profissional, capitaneadas pelos delegados. A Delegacia Regional é o Conselho na localidade e os delegados têm que entender essa responsabilidade. Nesse ano de 2012, temos um grande desafio: em Londrina, estamos consolidando o processo licitatório para construção de uma sede moderna, compatível às necessidades do profissional da região, o que inclui um auditório para acolher atividades voltadas à propagação da ética e do conhecimento técnico-científico. Esperamos inaugurá-la em 2013.



P. Qual mensagem deixa para o médico paranaense, neste cenário de dificuldades?

R. De esperança. Não podemos deixar nossas angústias sufocarem a esperança de um tempo melhor. Devemos prosseguir nesta luta. Os desafios se sucedem pela mutação natural dos interesses da sociedade. Contudo, a atenção à vida é perpétua e buscar as condições para isso é nosso dever. Assim, mais uma vez convocamos os colegas para que não se distanciem dos referenciais éticos e humanitários e que não renunciem à sua liberdade profissional, autonomia e do direito de reivindicar e participar da construção de uma Medicina mais digna.



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