O erro e o médico


De tempos em tempos, os médicos tornam-se manchetes dos jornais ou matérias principais nas rádios e televisões.

Os eventuais desacertos de alguns são logo explorados bombasticamente e quase sempre de forma generalizada e injusta. Interessante observar, os casos inversos e de grande relevância médica ou científica, no máximo alcançam pequeno enfoque num canto de página ou simples informe de televisão. Talvez porque, os que ainda podem ser comparados aos "heróis de curar", deixaram de ser "notícia".

Os médicos erram, sim. Mas também erram os dentistas, engenheiros, advogados, arquitetos, jornalistas. Isto porque, o erro é inerente ao ser humano.

É evidente que quando o médico erra, seus efeitos são mais significativos, pois, no exercício da profissão, lida com seres humanos. É como diz o dito popular: "quando o médico erra, ele enterra". A perda de uma vida, por exemplo, é bem diferente em suas conseqüências que uma extração dentária feita sem a devida indicação; de uma ponte que caiu por falha de cálculo ou construção; de um prazo perdido numa ação judicial; de uma matéria jornalística tendenciosa e dolosa. Mas o fato é que todos erram.

Não pretendemos aqui defender o médico que erra por negligência, imperícia ou por omissão de socorro. Os conselhos de ética médica e a justiça brasileira existem para julgar e decidir sobre estes casos. Desejamos isto sim, defender a classe médica como profissão, que precisa e deve ser respeitada como tal.

Mas, perguntamos: onde está a causa de tudo isto? Um retrospecto das escolas médicas é importante. Até 1961 eram 29. A partir daí, até 1971, ou seja, em 10 anos, criaram-se 44 novas escolas médicas. Só em 1968 foram abertas 13, ou seja, mais de uma por mês. O Brasil tem hoje 167 escolas médicas. Só neste começo de século foram criadas 66. É o segundo no ranking mundial, perdendo apenas para a Índia. Evidentemente que essa avalanche "criativa" não veio como não poderia vir, acompanhada de comprovação da necessidade social ou requisitos mínimos necessários. Em conseqüência, a sociedade brasileira absorve hoje, o impacto de 316.126 médicos, muitos deles desprovidos de qualificação mínima necessária para o exercício profissional.

As escolas médicas existentes precisam ser aferidas sob parâmetros de requisitos mínimos necessários ao seu funcionamento. Já existem e oficializados desde há muito, dois trabalhos nesse sentido, feitos pela Associação Médica Brasileira. A tão decantada autonomia universitária não deve representar empecilho para tarefa de tamanha significação para o ensino superior. Qualificar adequadamente o futuro médico, ainda durante sua formação, e depois oferecer-lhe condições para o aperfeiçoamento em Residência Médica e, mais ainda, através de educação médica continuada é uma necessidade inquestionável. Este é, a nosso ver, o ponto nevrálgico da questão do erro médico e da qualidade de assistência à saúde oferecida hoje à população brasileira.

Enfrentá-lo exigirá coragem, rigor e decisão política.


Antonio Celso Nunes Nassif, médico, professor aposentado da UFPR. Foi presidente da Associação Médica Brasileira - acnnassif@netpar.com.br


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