O médico da velha guarda

Alfredo Guarischi

De alguns tempos para cá, passamos a falar em “humanizar a medicina”. Estranho, pois a medicina é arte, a mais bela expressão de humanismo.

Os que buscam a causa raiz do problema se esquecem de que raiz única é a cenoura, uma fonte de antioxidantes, que proporciona benefícios para a saúde, até “evitando o envelhecimento precoce”. É uma lenda abandonar a “velha medicina” em busca de uma fonte da juventude, lembrada pelo escritor Heródoto, contemporâneo do prático Hipócrates, nosso verdadeiro pai.

A imposição de intermediários — humanos e tecnológicos — afasta os jovens da velha e segura escola de se sentar e conversar com os pacientes e familiares, escrever pequenas notas, sem pressa, sem atender telefonemas ou ter os olhos fixos em telas de computador. Deixando de analisar cuidadosamente os problemas do paciente — nunca há apenas um —, abdicamos de nossa memória e experiência. Passamos a interpretar os achados anatômicos e fisiológicos, oriundos do exame físico completo, apenas se confirmados por imagens e dosagens. Troca-se o raciocínio clínico pela leitura de laudos, para então formular hipóteses.

A genialidade da tecnologia de informação (TI), idealizada para agilizar e ajudar, paradoxalmente nos acorrenta a teclados e infindáveis relatórios; deixamos de ser livres e independentes. Faltam soluções inteligentes, liberando médicos e enfermeiros para cuidar dos pacientes. Reconhecemos nossas deficiências em caligrafia, mas a TI não pode ser apenas uma máquina de escrever sofisticada ou um recurso administrativo.

Na prática, deixamos de ler os prontuários sobre internações anteriores, nos restringindo a verificar sumários de alta. Deixa-se de conversar com os médicos que já́ cuidaram do paciente. Quanto acrescentaria uma informação, esquecida numa ficha de ambulatório ou prontuário empoeirado pelo tempo?

Médicos “à moda antiga” veem especialistas consultores como formadores de opinião, não como fabricantes de soluções ou donos da verdade. Os órgãos e as moléstias não são autônomos. Pacientes, como pomares, têm que ter um dono — humano —, e não um espantalho vestido com retalhos. Os corvos continuarão a destruir o que se planta.

Administrar uma tonelada de medicamentos na tentativa de aliviar todos os males possíveis é desconhecer que fazer nada é às vezes fazer muito. Pacientes podem ficar bem, apesar do que fazemos, e não como resultado do que fizemos.

Erramos e erraremos, mas jamais podemos nos omitir. O bom relacionamento com os pacientes é a melhor proteção para todos. Cientes de nossa falibilidade, nunca devemos ter medo de dizer: “Não sei”.

A medicina tradicional não se opõe a novas tecnologias e pluralidade de especialidades, mas devemos continuar a agir como artesãos.

Isso é humanidade — paixão e compromisso —, a arte da medicina.

*Alfredo é médico graduado pela UFRJ em 1974. Cirurgião Geral e Oncológico, Consultor em Segurança e Risco, Escritor, Membro Emérito do Colégio Brasileiro de Cirurgiões.
**As opiniões emitidas nos artigos desta seção são de inteira responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, o entendimento do CRM-PR.

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