17/08/2010
O novo Código de Ética Médica e os limites impostos pelo Judiciário
Entrou em vigor neste ano o novo Código de Ética Médica, depois de vinte anos de vigência do anterior. Segundo informações
do conselho responsável pela classe, é um documento atento às determinações da medicina brasileira do século 21, bem como
aos avanços tecnológicos, científicos, à autonomia e direitos do paciente.
Comporta ao todo 25 princípios fundamentais, entre os quais o de que a medicina não pode, em nenhuma circunstância, servir
ao comércio. Princípios e diretrizes que trazem, em síntese, temas espinhosos para a rotina de profissionais que atuam constantemente
sob pressão por resultados, pela manutenção do sigilo e pela cobrança por responsabilidades. Assuntos delicados que, inúmeras
vezes, rompem a barreira dos consultórios e chegam aos tribunais. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) possui vasta jurisprudência
sobre os diversos aspectos envolvendo o tema.
O médico, por exemplo, não deve revelar sigilo relacionado a paciente menor, inclusive a seus pais ou representantes,
desde que esse tenha capacidade de discernimento e quando o segredo não acarreta dano ao paciente.
O profissional também não pode revelar informações confidenciais obtidas quando do exame de trabalhadores, inclusive por
exigência dos dirigentes de empresas ou instituições, salvo se o silêncio colocar em risco a saúde dos demais empregados ou
da comunidade. E, ainda, tem a obrigação de avisar ao trabalhador eventuais riscos à saúde advindos de sua atividade laboral.
É vedado, assim, revelar fatos obtidos por desempenho da função, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento
por escrito. Na investigação de suspeita de crime, por exemplo, o médico estará impedido de revelar assuntos que possam expor
o seu cliente a processo penal.
Essa é a situação de um caso a ser julgado pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em que a Defensoria
Pública de Mato Grosso do Sul pede o trancamento de investigação contra centenas de mulheres suspeitas de fazerem aborto em
uma clínica de planejamento familiar, em Campo Grande (MS). O argumento é que a instauração do inquérito não é calcada em
prova válida, já que as fichas médicas estariam acobertadas pelo sigilo.
A regra informa que, quando requisitado judicialmente, o prontuário é disponibilizado a um perito médico nomeado pelo
juiz. O STJ já julgou inúmeros casos de solicitação de quebra de sigilo feita por requisição de autoridades judiciais. O sigilo,
porém, não é absoluto e existe para proteger o paciente.
Foi esse o posicionamento da Corte em um processo em que a instituição se recusava a entregar o prontuário para atender
a uma solicitação do Ministério Público, com vistas a apurar as causas de um acidente registrado como queda acidental. No
curso de outra investigação criminal, em que o órgão solicitou informações para apuração de crime, a Segunda Turma decidiu
que detalhes quanto ao internamento e período de estada para o tratamento não estão ao abrigo do sigilo.
O conselho também recomenda não permitir o manuseio e o conhecimento dos prontuários por pessoas não obrigadas à reserva
profissional. O STJ tem julgados que asseguram que a simples entrega de prontuário médico sem autorização do paciente é fato
que, por si só, gera dano moral (AG 1.064.345).
Em uma das ações, o Tribunal considerou que houve dano à viúva em consequência da entrega do prontuário do marido falecido
à empresa seguradora responsável pelo plano de saúde do paciente. Os ministros, na ocasião, consideraram que houve violação
à ética e que, no máximo, poderia ser fornecido um relatório justificando o tratamento e o tempo de permanência do segurado
no hospital.
A Corte também considera que o profissional não pode deixar de expedir laudo quando o paciente for encaminhado para continuação
de tratamento em outra unidade da federação. Julgado do STJ registra caso de uma paciente do Rio Grande do Sul que sofreu
acidente nas ruas de Brasília e teve de recorrer à via judicial para ter acesso ao diagnóstico, bem como a todas as informações
sobre o tratamento no período que ficou internada na cidade. Foram quase trinta dias de coma desassistida de familiares. Segundo
o STJ, nesses casos o hospital responde pelo ônus da sucumbência - prejuízo por todos os custos com o processo, além de possíveis
danos morais.
De acordo com o artigo 154 do Código Penal, a violação do segredo profissional gera detenção de três meses a 1 ano ou
multa. Além de observar o sigilo, o médico deve observar o dever de informar o paciente e obter o seu consentimento a respeito
de determinada conduta que pretende aplicar. São princípios também adotados pelo novo Código de Ética da Medicina brasileira.
E, segundo o STJ, o médico que deixa de informar o risco de um procedimento recai em negligência e responde civilmente pelos
danos decorrentes da lesão.
Exames complementares
Se o sigilo é um assunto que afeta a intimidade do paciente, a responsabilidade é uma questão que afeta diretamente a
vida. A jurisprudência sobre o tema registra casos de médicos que, seja por negligência, imprudência ou imperícia, cometem
erros graves no exercício da profissão, como inverter o laudo radiográfico na mesa cirúrgica e operar o lado oposto do cérebro
do doente ou fazer tratamento para um tumor quando se tratava de uma infecção por vermes. Isso sem contar as agulhas esquecidas.
De 2002 a 2008, por exemplo, a quantidade de processos envolvendo erro médico que chegaram ao STJ aumentou 200%.
Um diagnóstico errado acarreta um transtorno psicológico que gera danos morais, estéticos e patrimoniais, além de punição
no âmbito penal e disciplinar. O STJ julgou responsável por má prestação de serviço laboratório que forneceu equivocadamente
laudo positivo de uma doença sem a ressalva da exigência de exames complementares para comprovação dessa doença.
O Conselho Federal de Medicina recomenda, em seu Código de Ética, que nenhum médico pode se opor a uma segunda opinião
e que o paciente tem o direito de ser encaminhado a outro profissional como forma de assegurar o tratamento. Uma estudante
de Direito moveu ação de reparação de danos em razão de o laudo radiológico ter errado na formulação do diagnóstico: ela apresentava
pneumonia dupla e o profissional ignorou o fato, causando graves consequências posteriores.
A responsabilidade médica, assim como acontece com outros profissionais liberais, é de meio, exceto nas cirurgias plásticas
embelezadoras, em que o profissional se compromete com o resultado final. Isso porque o médico não pode garantir a cura, assim
como o advogado não pode garantir uma causa, ou o publicitário, vendas líquidas e certas. Mas o médico deve agir com diligência,
que é o agir com amor, cuidado e atenção - somada à perícia e ao conhecimento.
Segundo o autor Miguel Kfouri Neto, na publicação "Responsabilidade Civil do Médico", os processos visando à apuração
de responsabilidade por erro médico tem tramitação longa e são de difícil comprovação. "É recomendável que os juízes imprimam
especial celeridade a esses feitos, colhendo as provas ainda na flagrância dos acontecimentos", recomenda.
Os médicos, diferentemente dos hospitais, só respondem diante de culpa e mediante um nexo de causalidade (relação clara
de causa e efeito). As instituições hospitalares têm a chamada responsabilidade objetiva, isto é, respondem independentemente
de culpa ou nexo causal. De acordo com o Código do Consumidor, é o lesado quem deve provar o dano que tem nas relações contra
os fornecedores de serviço, mas, no caso desses profissionais, não é assim que acontece.
Como, no caso, é o médico que detém o conhecimento necessário sobre o ato, o ônus da prova pode ser invertido, de modo
que o prejudicado possa apenas apresentar o resultado danoso. De acordo com o STJ, essa inversão não é automática e cabe ao
juiz justificá-la. (Resp 437.425)
Prazo de cinco anos
As ações para apuração de falhas médicas podem ser propostas perante os conselhos regionais, para as punições disciplinares,
ou na Justiça comum, para punição no âmbito civil ou penal, no foro de domicílio do autor. O prazo para propô-las, de acordo
com o Código de Defesa do Consumidor, é de cinco anos, embora o artigo 206, parágrafo 3º, inciso V, do Código Civil, imponha
um prazo de três anos. Para eventos anteriores a 11 de janeiro de 2003, o prazo é de vinte anos.
Outra decisão importante do STJ sobre o tema "responsabilidade" é que a União não possui legitimidade para figurar no
polo passivo de ação em que se objetiva danos morais decorrentes de erro médico ocorrido em hospital da rede privada, durante
atendimento custeado pelo SUS.
Em contrapartida, a prestadora de serviços de plano de saúde tem legitimidade passiva para figurar em casos de indenização
por erro médico. Foi o que garantiu uma decisão da Quarta Turma, em julho, em favor de uma paciente que foi internada para
fazer coleta de um material num dos seios e teve as duas mamas retiradas sem o seu consentimento.
Fonte: STJ