Orgulho de ser médico

O tempo para o contínuo aprimoramento pessoal e profissional do médico é escasso e com isto surge a desesperança e o conflito. Então enfraquece a grande peculiaridade da profissão, que se estriba no idealismo de não trair a confiança de buscar o melhor para seu paciente, se necessário com sacrifício pessoal.

Na infância, traçamos muitos planos para realizações pessoais e para contribuir para um futuro melhor para todos, respaldado por ideais de justiça, de solidariedade e igualdade. Do ideal pessoal e da família que sonha em ter um filho médico, da luta do médico por fazer o melhor no assistir, tratar e confortar, passa-se a uma realidade que exige novos caminhos para conter o encanto da tecnologia, as jornadas de trabalho extenuantes, a mercantilização e a exploração da profissão e para não confrontar médicos, pacientes, familiares e demais profissionais de saúde.

Neste Dia do Médico permitimo-nos refletir sobre essa profissão que experimenta desgastes em sua concepção histórica, filosófica e ética, por estar formando médicos individualistas, fruto de um modelo antigo de profissional liberal, alheio à necessidade de uma atividade multidisciplinar voltada para o paciente. Em meio às diversidades, um cenário com dois ambientes.
De um lado uma medicina socializada, representada pelo sistema público de saúde; do outro, uma medicina que obedece à lógica do mercado, que se traduz pela saúde suplementar com as operadoras de saúde.

Em comum, nos dois ambientes, além da má remuneração, há a ingerência que se reflete na relação médico-paciente e na agenda médica. O futuro do profissional médico está vinculado à sua capacidade de manter uma boa relação médico-paciente e de manter a profissão valorizada pela sociedade.

O médico que possui conhecimentos e habilidades adequadas ao exercício da medicina deve ter atitudes dignas. Deve atuar apenas em ambientes que permitam uma assistência de qualidade, não baseada em produtividade. Precisa que todos os seus atos sejam registrados em documentos e prontuários e que suas atitudes se voltem para o interesse individual e coletivo da saúde das pessoas. Para este profissional, sempre existirão as possibilidades de uma carreira de sucesso, seja no aspecto financeiro, no do reconhecimento ou na sastifação de ser médico.

O Superior Tribunal Federal defende a posição constitucional de que o acesso a tratamentos e medicamentos é uma obrigação do Esta­­do e que é necessário esforço dos diversos órgãos do poder para atender a sociedade e reduzir a judicialização da saúde. De fato, residem nas esferas de poder as decisões que podem melhorar as condições de trabalho dos profissionais e o acesso e qualidade da assistência à população. A começar pela regulamentação da Emen­­da Consti­­tucional 29, que define as responsabilidades no financiamento do SUS, projeto que vem se arrastando ao longo desta década e que, con­­trariando o apelo popular, o governo teima em condicionar à criação de mais um imposto, idêntico à famigerada CPMF, que arrecadou R$ 250 bilhões em sua trajetória com sérios desvios de destinação.

No âmbito do Legislativo e Executivo emperram outros importantes projetos ligados à saúde, como a regulamentação das competências médicas, o salário mínimo do médico, a criação de plano de carreira no SUS, o controle de abertura de escolas médicas, o acesso a programas de residência, critérios para revalidação de di­­plomas médicos obtidos em outros países e normatização e adequação de valores pagos aos prestadores de serviços dos sistemas pú­­blico e suplementar, além de outros polêmicos, como a descriminalização do aborto e a ortotanásia.

A falta de vontade de decidir, de resolver, confunde a sociedade, compromete a estrutura de saúde e os serviços assistenciais, sejam públicos ou privados. Muitas cidades continuam desprovidas de con­­dições mínimas de atendimento e, com isso, até mesmo da pre­­sença de médicos, que optam pelos grandes centros para, mesmo com jornadas de trabalho maiores, ficar mais próximos do acesso à atualização profissional, ter melhor qualidade de vida e lazer e, ainda, ver diminuído os riscos de processos ético-disciplinares e ações cíveis e criminais.

Se a Justiça, em sua essência, consiste em reconhecer a todos e a cada um dos homens o que lhes é devido, este princípio traduz-se no dever de integral respeito à dignidade. Dignidade do ser humano, dignidade profissional, na defesa dos direitos e dos deveres de quem exerce Medicina.

Hipócrates se fez precursor da medicina oridental, "retirando" a medicina dos deuses e entregando-a ao homem. Privilegiou a visão do homem em sua integralidade e elaborou os princípios que resistem há 25 séculos. Lucas, o evangelista, o médico da alma, é o pa­­trono dos médicos. Foi ele a propagar a medicina de amor, de compaixão, de solidariedade e também de cumplicidade, ao fomentar a fé como instrumento de confiança. Devemos continuar confiantes nestes ensinamentos e nos exemplos de dignidade ética que as entidades médicas reverenciam. Reconheçamos, nesta data, todos os profissionais leais aos princípios humanísticos que cumprem com desvelo a sua missão e, assim, orgulham a medicina.


Miguel Ibraim Abboud Hanna Sobrinho é presidente do Conselho Regional de Medicina do Paraná e José Fernando Macedo é presidente da Associação Médica do Paraná.
Artigo publicado no Jornal Gazeta do Povo em 18 de setembro de 2009.

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