03/12/2007

Ortomolecular: falsas promessas

Perda de peso, rejuvenescimento, proteção contra câncer e arteriosclerose são algumas das falsas promessas da chamada medicina ortomolecular. Além de não ser especialidade médica, quem recorre à prática com objetivo de emagrecer ou ficar mais jovem está rasgando dinheiro. E, dependendo da receita, terá problemas de saúde. A polêmica sobre a terapia deve aumentar.

No próximo dia 13, os membros do Conselho Federal de Medicina (CFM) se reúnem para aprovar nova resolução sobre o tema.

Foi elaborada proposta que atenua restrições a esse tipo de tratamento.

A resolução que está em vigor por enquanto é a 1.500/98, que não reconhece a ortomolecular como especialidade médica e proíbe vários procedimentos, como, por exemplo, uso de megadoses de vitaminas, terapias antienvelhecimento e exame de análise de fios de cabelo para desequilíbrio químico. Mesmo assim, muitos médicos insistem em oferecer esses tratamentos.

- Os médicos que praticam ortomolecular devem obedecer à resolução em vigor.

Há nova proposta com algumas alterações que foram discutidas durante um ano por uma comissão do CFM, mas só a partir do dia 13 vamos analisar em plenário e saber se elas serão aceitas - diz o médico Henrique Batista e Silva, primeiro secretário do CFM e do Conselho Regional de Medicina de Sergipe, coordenador da comissão.

O objetivo da atual resolução do CFM é coibir abusos em ortomolecular.

- Já soube de caso de médico vendendo pozinho de células-tronco. Não existe dieta ortomolecular. A medicina hoje é baseada em evidências. Os profissionais que infringem a resolução podem ser punidos - alerta Batista.

Megadoses causam danos ao organismo A médica Fátima Christina Machado Cardoso, do Grupo de Trabalho e Estudo sobre Medicina Ortomolecular do Conselho Regional de Medicina (Cremerj), diz que é essencial coibir a má prática: - Medicina ortomolecular tem aplicação em diversas especialidades, mas há restrições. Ela pode ser indicada em tratamento de desequilíbrios metabólicos, como anemias, ou para eliminar minerais em excesso no organismo. A prática é útil ainda na suplementação, se for necessária.

O problema é que muitas pessoas saem do consultório com a receita sem saber o que terão que tomar. Nem perguntam ao médico se as doses prescritas são seguras.

Megadoses são tóxicas. Vitamina A em excesso deixa a pele seca, áspera e propensa a escamar; a pessoa sente dores de cabeça, tonturas e náuseas, além de correr o risco de lesões no fígado. Outras vitaminas como a C e E, as preferidas dos ortomoleculares, são ruins em altas doses. A primeira leva à formação de pedras de ácido oxálico e altera resultados de exames laboratoriais. A vitamina E entra em disputa com outras, prejudicando a absorção de nutrientes.

- Tratamento ortomolecular não retarda envelhecimento ou previne câncer. Ele até ajuda a emagrecer e a controlar a síndrome metabólica, associada a problemas cardiovasculares, à obesidade e ao diabetes.

Mas isso só ocorre quando a pessoa regulariza seu metabolismo e passar a ter hábitos de vida mais saudáveis, como prática de atividade física - diz Fátima.

Segundo ela, é muito difícil para o Cremerj fiscalizar a má prática de medicina ortomolecular.

Mas há maneiras de a população se proteger. Uma delas é entrar em contato com o Grupo de Trabalho e Estudo sobre Medicina Ortomolecular do Cremerj, por meio do site www.cremerj.org.br, no link "fale conosco". Os médicos esclarecem as dúvidas sobre o assunto, tratamentos e outros temas.

- O paciente deve sempre perguntar ao seu médico o que foi receitado, o que ele terá que tomar e por quê. Não existem fórmulas milagrosas. O câncer, por exemplo, é uma doença degenerativa e não se previne com medicina ortomolecular - acrescenta a médica.

Outra prática comum em clínica de medicina ortomolecular é o pedido de exame de análise de fios de cabelo (conhecido por mineralograma). A proposta desse estudo é traçar o perfil mineral do indivíduo, já que o fio de cabelo registra substâncias ingeridas ou aplicadas externamente. Mas, segundo a Fátima, o exame, que custa cerca de R$ 160, tem indicações específicas e não vale a pena na maioria dos casos.

- Hoje é um exame mais restrito à pesquisa.

Além disso, não é de leitura fácil, mesmo para médicos habilitados. Ele pode ser útil quando o médico tem dúvidas em relação a alguma disfunção metabólica comparada à história clínica do paciente. Por exemplo, o cálcio é um mineral que deve estar fora da célula.

Se ele estiver dentro, tem alguma coisa errada. O mineralograma deve feito em complemento à consulta e a outros exames laboratoriais - esclarece.

De acordo com o médico Luiz Paulino Guanaes da Silva, presidente da Associação Brasileira de Medicina Ortomolecular, a prática se propõe a detectar e corrigir os desequilíbrios bioquímicos-moleculares nas células. E, segundo ele, pode ser útil em todas as especialidades médicas, no diagnóstico, na terapêutica e na prevenção.

- A medicina ortomolecular tem indicação em várias situações, em tratamento de pacientes internados em CTIs e na gravidez, quando se detecta que a gestante precisa de suplementação nutricional. Atletas e idosos também se beneficiam. Há casos especiais, como pacientes com câncer, alcoolismo, anorexia, bulimia e osteoporose - diz o médico do Grupo de Trabalho e Estudos em Medicina Ortomolecular do Cremerj.

Fórmulas devem ter registro da Anvisa No diagnóstico, além da investigação da história clínica do paciente, o médico pode pedir uma análise de sangue para marcadores da oxidação celular, associados a desequilíbrios no organismo. Um dos capítulos que a Associação Brasileira de Medicina Ortomolecular quer rever com a nova resolução do CFM é o referente ao uso de megadoses de vitaminas, minerais e aminoácidos.

- A atual resolução é muito restritiva e há necessidades específicas para indivíduos saudáveis e com alguma deficiência nutricional - diz Guanaes.

No que diz respeito ao emagrecimento e à obesidade, a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) e a Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade (Abeso) já se manifestaram contra o uso dietas com base em medicina ortomolecular. Essas entidades dizem que "não há evidências científicas de que dietas à base de tratamento ortomolecular sejam eficazes a curto ou a longo prazo". E o diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Dirceu Raposo, alerta que é preciso tomar cuidados com as fórmulas vendidas sem controle.

- A população deve adquirir e consumir medicamentos e outros produtos para a saúde que tenham registro na Anvisa. Ele é a prova de que a fórmula foi submetida à autoridade sanitária nacional e, portanto, tem a segurança e a eficácia comprovadas - alerta. - Além disso, o consumidor precisa ficar atento às informações que devem constar nas embalagens dos produtos registrados, especialmente em relação ao número do lote e o prazo de validade - destaca.

Os aminoácidos só podem ser vendidos como alimentos em duas situações: aminoácidos de cadeia ramificada, para praticante de atividades físicas, e módulo aminoácido, para nutrição enteral.

Nestes dois casos, os produtos precisam de registro, assim como suplementos vitamínicos e/ou minerais. Há mais informações no site www.anvisa.gov.br.


Pressão por menos rigor

MEGADOSES: A atual resolução do CFM sobre medicina ortomolecular, a 1.500/98, proíbe tratamentos com megadoses de vitaminas, minerais e aminoácidos porque não há comprovação científica quanto a benefício para pessoas saudáveis e doentes. Pela nova proposta, os ortomoleculares querem rever os conceitos de megadoses, levando em conta que "a tabela de doses máximas seria para o não desenvolvimento de doenças carenciais; que há necessidades específicas para atletas, idosos, gestantes e pessoas com carências nutricionais; que há alimentos com menor valor nutritivo devido à pobreza do solo, à industrialização e à preparação".

ANTIOXIDANTES: O artigo 13 da resolução 1.500/98, proíbe, no capítulo 2, o uso de antioxidantes para melhorar o prognóstico de pacientes com doenças agudas ou em estado crítico. A Associação Brasileira de Medicina Ortomolecular "propõe que se retire este item, tendo em vista as inúmeras pesquisas em pacientes em CTI e com doenças agudas que demonstram o papel fundamental do uso de moléculas antioxidantes".

REJUVENESCIMENTO: O capítulo 3 da resolução 1.500/98 proíbe as terapias "antienvelhecimento, anticâncer, antiarteriosclerose ou direcionadas a doenças crônicas degenerativas". Os ortomoleculares dizem que há pesquisas demonstrando a eficácia do uso de moléculas antioxidantes em doenças crônicas degenerativas.

INTOXICAÇÕES: A mesma resolução, no capítulo 4, proíbe o uso da substância EDTA para remoção de metais pesados quando não se trata de intoxicações agudas. Os ortomoleculares querem a retirada deste item porque estudos mostram a "importância do uso de EDTA na remoção metais pesados nas intoxicações agudas e crônicas".

FIOS DE CABELO: O capítulo 6 proíbe a análise de fios de cabelo (mineralograma) para caracterizar desequilíbrios bioquímicos. Os ortomoleculares concordam com a proibição, quando o exame é pedido sem complementação.


Fonte: O Globo

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