Ortotanásia: CFM versus OAB/RS?

As declarações do presidente em exercício da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RS) publicadas em Zero Hora de 11/11/2006 (p. 26) refletem problemas do meio jurídico em tratar o tema da resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que autoriza a interrupção de tratamento médico extraordinário em pacientes em processo de morte irreversível (ortotanásia).

O discurso em primeira pessoa ("sou contra"), seguido de enunciados descritivos ("é um atentado contra o ser humano"), confunde o leitor sobre o chamado "lugar de fala" do entrevistado.

Questiona-se: quem ali estava se pronunciando? O representante da OAB-RS ou o cidadão?
Quando o espaço midiático é utilizado para manifestação intelectual, é importante deixar claro quando se está falando em nome próprio ou em caráter oficial, como representante de uma classe ou instituição. Manifestações públicas sobre temas polêmicos só devem usar o manto da sigla institucional após democraticamente deliberadas entre os pares. Porém, a falta de tradição científica no meio jurídico gera inúmeras confusões sobre o caráter dos "palpites jurídicos" veiculados na imprensa (serão deontológicos, científicos ou eleitorais?).

Sou da opinião (baseada em pesquisa acadêmica realizada em 2001 e publicada pela Edipucrs em 2004) de que há, sim, fundamentação jurídica no Direito brasileiro para que as pessoas possam morrer com dignidade. Minha sustentação, entretanto, não defende a eutanásia, mas sim o direito de não se submeter a tratamentos médicos incapazes de obtenção da cura, considerados desproporcionalmente custosos tanto do ponto de vista financeiro quanto emocional. É espantoso o atraso do meio acadêmico jurídico em se pronunciar sobre temas de bioética.

Não se está "desvalorizando a vida" ou cometendo um "atentado ao ser humano", ao defender o direito à livre escolha em recusar estratégias médico-tecnológicas abusivas. O próprio Código Civil de 2002, em seu Artigo 15, deixa claro que ninguém será constrangido a tratamento médico ou cirúrgico contra sua vontade.

Por fim, parabenizo a coragem do CFM, que confirmou o sábio posicionamento da Igreja Católica de 1980, nada conservador, que há 26 anos, no documento "Declaração sobre a eutanásia", afirmou:

"Há, sem dúvida, a obrigação moral de se tratar e procurar curar-se, mas essa obrigação há de medir-se segundo as situações concretas, isto é, impõe-se avaliar se os meios terapêuticos à disposição são objetivamente proporcionados às perspectivas de melhoramento. A renúncia a meios extraordinários ou desproporcionados não equivale ao suicídio ou à eutanásia; exprime, antes, a aceitação da condição humana defronte à morte."


Artigo escrito pela advogada LÍVIA HAYGERT PITHAN para o jornal Zero Hora (RS) - 15/11/2006

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