Ortotanásia e o Código Penal

O anteprojeto do Código Penal, até com certa demora, procura ajustar novas condutas delituosas ao já vetusto estatuto, que data de 1940. Dentre elas, duas novas alterações relevantes, com relação aos crimes contra a vida.

A primeira trata da eutanásia, conhecida como homicídio piedoso. Quando por compaixão o agente retira a vida de paciente maior e imputável, em estado terminal, a seu pedido. Se demonstrada a relação de afeto e parentesco com a vítima, o juiz concederá o perdão judicial e deixará de aplicar a pena. A segunda também visa eliminar o sofrimento do paciente, porém não causa a morte abrupta, instantânea. Abre o caminho para a introdução de procedimento que valoriza a vida e não esbarra em conceitos éticos, uma vez que a morte não é abreviada e o tratamento é voltado para o encaminhamento mais humano para se chegar à morte, com a aplicação dos cuidados paliativos. Considera-se paciente em estado terminal o portador de doença incurável, progressiva e em estágio avançado, com prognóstico de morte próxima. O paciente em fase terminal de doença passa a ser o responsável pela autorização da ortotanásia e, na impossibilidade, seus familiares ou seu representante legal, para que o médico suspenda os procedimentos desproporcionais e extraordinários destinados a prolongar artificialmente a vida.

A Igreja Católica meteu a primeira cunha no assunto quando editou o documento "Declaração sobre a Eutanásia", da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, aprovado em maio de 1980. Nele, considera lícita a conduta do médico que, na iminência de uma morte inevitável, depois de ter lançado mão de todos os recursos existentes necessários, renuncia a tratamento que daria somente um prolongamento precário e penoso da vida, sem, contudo, interromper os cuidados normais devidos ao paciente.


O Conselho Federal de Medicina, no ano de 2006, editou a Resolução nº 1805/2006, que permitia aos médicos interromper os tratamentos que prolongassem a vida do doente em estado terminal, sem condições de reversibilidade, com sua declaração expressa de vontade, ou de seus familiares ou representante legal. A decisão dependia da conjugação das vontades do paciente ou de seu representante legal e do médico e, sendo permissiva, seria fundamentada e registrada no prontuário. Inicialmente foi questionada e barrada pela justiça que declarou a inconstitucionalidade da Resolução. A Justiça, no entanto, posteriormente, em razão da desistência da ação civil intentada pelo Ministério Público Federal, revogou a medida liminar que impedia a realização da ortotanásia e restabeleceu, desta forma, in totum, os efeitos da Resolução. O Código de Ética Médica, em vigência desde o dia 13/4/10, trilhando pelo mesmo caminho, reitera e aconselha o mesmo procedimento ao paciente em fase terminal, contraindicando todo esforço de obsessão terapêutica e recomendando a oferta de cuidados paliativos. Não se trata de um apressamento da morte, mas sim um cuidar cauteloso para conferir ao paciente a continuidade da sua dignidade. O estertor da morte é suavizado. E o anteprojeto do Código Penal, por sua vez, traz a descriminalização da ilicitude da conduta, excluindo o caráter criminoso do fato, desde que, satisfeitas as condições exigidas. A ortotanásia se apresenta como uma solução viável, revestida dos bons princípios que regem a dignidade humana e com uma ética que se coaduna com a conveniência humana. Não irá antecipar a morte de paciente terminal, mas sim deixará que ela ocorra em seu momento certo, com o conforto necessário, sem sofrimento e com a alma em paz.



Artigo escrito por Eudes Quintino de Oliveira Junior, promotor de justiça aposentado, advogado e reitor da Unorp.

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