08/10/2009
         Os descaminhos da saúde
         
         Um perigoso e preocupante fenômeno vem acontecendo de forma silenciosa na saúde: o desaparecimento dos profissionais médicos
            cuja especialidade não tenha qualquer vinculação com utilização de equipamentos para investigação diagnóstica e terapêutica.
            A cada ano, diminui o número de interessados em fazer residência em clínica médica, geriatria, reumatologia, patologia, pediatria,
            medicina legal, entre outras. Se mantida a atual tendência - e nada indica que isso vá mudar em curto prazo -, em muito pouco
            tempo não teremos mais esses profissionais no mercado, e graves serão as consequências para toda a população.
            
As razões para esse cenário são várias. A principal delas é que o setor de saúde no mundo todo sofre forte influência
            da indústria de equipamentos e medicamentos, que disponibiliza novas tecnologias de investigação diagnóstica e terapêutica
            a uma velocidade espantosa, demandando cada vez mais profissionais altamente especializados. Por seu lado, diminuem progressivamente
            o número de generalistas.
 Ainda que essa temática seja recorrente entre os fóruns da saúde, de uma forma geral a indústria
            de equipamentos e medicamentos raramente é convidada a contribuir na busca de uma solução - embora seja ela a que possivelmente
            mais influência exerça e que mais contribuição forneça para essa distorção do exercício da medicina.
            
Parece óbvio, portanto, que temos de trazer a indústria de equipamentos e medicamentos para dentro da discussão do futuro
            da medicina e da atividade profissional. As rápidas, caras e algumas vezes inúteis mas bem remuneradas incorporações tecnológicas
            na área da saúde, associadas aos baixos salários dos médicos que fundamentam suas atividades em conhecimento sem auxílio de
            máquinas, está afastando esses profissionais da carreira clínica. Desde cedo, os nossos jovens médicos optam por especialidades
            vinculadas a modernas ferramentas de investigação diagnóstica e terapêutica, colocando em risco o futuro de todo o sistema.
            Para se ter ideia da gravidade do problema, inúmeros hospitais universitários - geralmente os únicos que possuem serviços
            de anatomia patológica - não conseguem mais médicos recém-formados interessados em fazer residência médica nessa especialidade.
            O futuro da patologia e do correto diagnóstico histopatológico está gravemente comprometido, com consequências imprevisíveis
            para o diagnóstico das doenças e para o bem-estar da população.
            
Outra preocupante e grande dificuldade de todos os hospitais brasileiros - públicos e privados - está em encontrar médicos
            clínicos, especialmente os pediatras, para plantões e rotinas. Muitos pediatras estão abandonando suas especialidades e migrando
            para outras que lhes trazem melhor sustento financeiro, inúmeras delas por meio da utilização de equipamentos de investigação
            diagnóstica e terapêutica. Muitas dessas especialidades, inclusive, são frequentemente recomendadas pelos principais programas
            de televisão e rádio no Brasil. É a medicina sendo pautada pela mídia. É a mão invisível de Adam Smith regulando equivocadamente
            um mercado que não pode ser regulado exclusivamente pela economia.
            
Essa fuga das especialidades não rentáveis vem acontecendo perigosamente, de forma insidiosa e silenciosa. Embora exista
            um pacto não firmado de silêncio, a principal razão está explícita: a remuneração médica não se dá mais pelo conhecimento
            profissional adquirido, mas pela capacidade do especialista em utilizar mais intensamente os recursos tecnológicos disponibilizados
            e estimulados pela indústria. É preciso mudar o jogo rapidamente. Para isso, é necessário chamar a indústria às mesas de negociação
            para discutir clara e abertamente as causas do problema, que são: errôneos critérios de incorporação tecnológica, falta de
            valorização da atividade profissional, especialidades clínicas em declínio e remuneração baseada na quantidade de procedimentos
            executados em detrimento da qualificação do atendimento. Desses fatores dependem o futuro da medicina e da saúde de todos
            nós.
            
Josier Marques Vilar -  Médico, presidente do Sindicato dos Hospitais, Clínicas e Casas de Saúde do Município do
            Rio de Janeiro