Os manifestantes e o Ano-Novo

Como é tradição desde 1927, a revista Time americana escolhe todo final de ano a personalidade que mais influenciou as nossas vidas, para melhor ou pior. Charles Lindberg inaugurou a capa da publicação, em reconhecimento à sua ousadia, enquanto primeiro aviador a cumprir o percurso de Nova York a Paris sem escalas. Desde então, grandes líderes mundiais e pacificadores alcançaram a deferência. Mas há passagens pitorescas, como em 1966, quando "os jovens" foram os escolhidos, ou 1982, com o computador, ou ainda 2010, quando Mark Zuckerberg, o criador do Facebook, foi o eleito "por conectar mais de meio bilhão de pessoas e mapear as relações sociais entre elas, e por alterar a forma como todos nós vivemos nossas vidas".


Em 2011, os "manifestantes" foram o personagem. Anônimos, quase sempre, apostaram até suas vidas na reação contra o arbítrio, a tirania, a opressão física e financeira, a violação dos direitos, as desigualdades sociais, a corrupção, a exploração do trabalho... Não por acaso, como prenunciado pela história, esta grita dos povos nas mais diferentes regiões do mundo teve entre os componentes alimentadores os jovens, os meios eletrônicos e as redes sociais cada vez mais massificadas.


Na análise da revista, os "protesters" redefiniram o poder do povo. "Não desanimaram mesmo quando as respostas vieram em forma de nuvem de gás lacrimogêneo", atestou o editor da Time, Rick Stenghel.


Respeitadas as proporções e responsabilidades, havemos de nos sentir - médicos e instituições representativas - parte desta corren-te de manifestantes. Tivemos em 2011 a maior sucessão de mobilizações de nossa história recente, traduzidas por atos de alerta em defesa da atenção à saúde da população e condições condignas de trabalho aos médicos, seja na assistência supletiva ou sob gestão pública. Foram intervenções democráticas, dentro dos limites constitucionais e legais, que estimularam a união da categoria médica e a aproximaram mais da população, auferindo adesão e ganhos na causa que é relevante para toda a sociedade.


Sob análise global de resultados práticos, do que anseiam nossos médicos e médicas e a própria população, por certo há de prevalecer ainda uma sensação de frustração. Exemplifique-se o desfecho da regulamentação da Emenda Constitucional 29, depois de mais de uma década de jogo de empurra-empurra. Com a oportunidade de oferecer ao SUS - maior sistema de saúde do mundo - o necessário suporte de financiamento, a União "lavou as mãos", esquivando-se de aplicar recursos adicionais e transferindo responsabilidades aos gestores estaduais e municipais e àqueles que estão na linha de frente de prestação de serviços. Não se perdeu apenas a chance de responder a promessas eleitorais. Perdeu a chance de, finalmente, oferecer aos cidadãos o pleno direito de acesso à saúde preconizado na Constituição de 1988.


Mas temos de olhar para o futuro e renovar nossas esperanças sob respaldo do que a própria história vem escrevendo, seja com personagens eleitos por uma revista ou com a perseverança com que nossos colegas buscam cumprir seus ideais hipocráticos. Temos de acreditar, sim, que há de se cumprir novos tempos, com prevalência de justiça e liberdade, de contenção de desigualdades, de discernimento político entre o que é interesse coletivo ou particular, de que a saúde é o nosso bem maior. A nossa marcha ganha ritmo e se encorpa. Porém, por mais que venhamos a agregar conquistas, elas não terão cumprido seus objetivos se desprovidas dos preceitos éticos que dão suporte à Medicina e se não tiver o aval e compromisso pleno dos que a exercem.


A expectativa otimista para o Ano-Novo tem sustentação no trabalho empreendido ao longo de 2011, seja no âmbito do Conselho Federal e dos Regionais de Medicina, da ação conjunta das instituições médicas ou do esforço de cada um dos colegas, enquanto investidos de funções representativas ou no exercício da atividade médica. Lutamos em todas as frentes. Por ensino de qualidade, pela remuneração digna no SUS e saúde suplementar, pelo piso salarial de referência, pelo fim da exploração do trabalho médico, por infraestrutura no sistema público, por plano de carreira, por educação ética e médica continuada, por maior segurança à prática médica. E lutamos contra tudo que contraria a ética, a lei e os direitos cidadãos.


Há quase um século Lindberg foi à luta para realizar seu sonho. Parabéns aos heróis de 2011. Parabéns aos médicos por sua bravura e persistência. Parabéns aos conselheiros, delegados e colaboradores que propiciaram um ano de importantes avanços, o que inclui a obtenção, pela nossa Instituição, do certificado de excelência no controle financeiro e contábil conferido pelo CFM.



Artigo escrito pelo conselheiro Carlos Roberto Goytacaz Rocha, presidente do CRM-PR.

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