01/06/2010

PR põe leite como gasto com saúde

Sem contabilizar o programa Leite das Crianças, aproveitando brecha na lei, estado não teria aplicado os 12% previstos na Constituição em 2008


A falta de regulamentação da Emenda 29, que estabelece o porcentual mínimo de gastos com a saúde, permite que o Paraná invista menos de 12% na área, descumprindo as exigências da Cons­tituição Federal. A brecha na legislação abre espaço para a inclusão de gastos com saneamento e programas sociais, como o Leite das Crianças, nas contas de saúde. O peso do saneamento é pequeno - cerca de 0,3% do total do orçamento da saúde para 2010 -, mas o leite faz diferença e representa 6% do total de recursos previstos para a Secretaria de Estado da Saúde na Lei Orçamentária Anual 2010 (LOA).

O Leite das Crianças, aliás, foi a salvação do Paraná para alcançar o investimento mínimo em saúde em 2008, ano do último balanço do governo analisado pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE-PR). O relatório, analisado pelo TCE-PR no ano passado, mostra a destinação de 12,19% das receitas para a saúde. Para alcançar o porcentual, contudo, o estado considerou saneamento e o programa do leite, que distribui a bebida para 157 mil crianças, como programas de saúde. Sem o leite, o investimento seria de 11,3% - e ainda é possível retirar outras ações da lista (ver infográfico nesta página). As contas de 2009 ainda não foram divulgadas pelo TCE.

Tanto a Secretaria de Estado da Saúde quanto a coordenação do Leite das Crianças justificam que o programa evita a desnutrição e, por essa razão, pode ser considerado medida de saúde pública. A Resolução 322, do Conselho Nacional de Saúde (CNS), contudo, desmente a afirmação. Uma das obrigações apontadas pelo documento é que as ações "sejam de responsabilidade específica do setor de saúde, não se confundindo com despesas relacionadas a outras políticas públicas que atuam sobre determinantes sociais e econômicos, ainda que com reflexos sobre as condições de saúde".

Na falta da regulamentação da Emenda 29, a resolução do CNS, publicada em 2003, deveria, em tese, estabelecer critérios para o setor, na avaliação do Ministério da Saúde. "A legislação do CNS deveria ser o parâmetro a ser seguidos pelos secretários estaduais e municipais", afirma e-mail enviado pela assessoria do ministério à Gazeta do Povo. A di­­ficuldade em obrigar os estados a usar a recomendação causa prejuízos enormes para o setor. Por ano, cerca de R$ 5 bilhões deixam de entrar no SUS em razão de investimentos como o Leite das Crianças. O valor é quatro vezes maior do que o orçamento do Paraná para a saúde em 2010.

O diretor de Contas Estaduais do TCE-PR, Mauro Munhoz, afirma que, apesar das ressalvas das equipes técnicas, os relatores do Tribunal consideram, em geral, investimentos não diretos - saneamento, por exemplo - como da área de saúde. "A área técnica faz a distinção desse tipo de investimento, mas a maior parte dos estados questiona a falta da regulamentação, abrindo precedente para grandes discussões", diz. "No âmbito do Tribunal de Contas, os pareceres têm sido favoráveis aos estados, autorizando esse tipo de programa, ao contrário da interpretação do Ministério da Saúde."


Direitos

Entre os juristas, a questão divide opiniões. Paulo Schier, professor do mestrado em Direito Cons­titucional das Faculdades Integradas do Brasil (UniBrasil), não vê necessidade de regulamentação da Emenda 29. "Com a previsão original antiga de 3%, não havia a obrigatoriedade. Após a emenda, torna-se obrigatória?", questiona. Por outro lado, o professor de Direito Administrativo da Uni­ver­sidade de São Paulo (USP) Gustavo Justino de Oliveira considera a regulamentação essencial pelo esforço de adequação de estados e municípios. "O comprometimento do orçamento cresceu, só que a saúde não pode ser um guarda-chuva que recebe todos os tipos de investimento", diz.

Sobre a Resolução 322/03, Schier analisa a existência da norma do CNS como suficiente para regulamentar os critérios. "Evidentemente a não aplicação do mínimo constitucional pode e deve responsabilizar os estados", afirma. Justino entende que, apesar de o CNS ser órgão regulamentador do Ministério da Saúde, a Resolução solitária não é suficiente. "Ela não tem a competência de legislação, por isso há necessidade de se editar lei", avalia. Em 2007, durante a votação para o fim da CPMF, imposto que se destinava à saúde, a regulamentação chegou a constar na pauta dos parlamentares, mas não foi discutida.


Fonte: href="http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?id=1008759&ch" target="_blank">Gazeta do Povo

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