Sem contabilizar o programa Leite das Crianças, aproveitando brecha na lei, estado não teria aplicado os 12% previstos
na Constituição em 2008
A falta de regulamentação da Emenda 29, que estabelece o porcentual mínimo de gastos com a saúde, permite que o Paraná
invista menos de 12% na área, descumprindo as exigências da Constituição Federal. A brecha na legislação abre espaço para
a inclusão de gastos com saneamento e programas sociais, como o Leite das Crianças, nas contas de saúde. O peso do saneamento
é pequeno - cerca de 0,3% do total do orçamento da saúde para 2010 -, mas o leite faz diferença e representa 6% do total de
recursos previstos para a Secretaria de Estado da Saúde na Lei Orçamentária Anual 2010 (LOA).
O Leite das Crianças, aliás, foi a salvação do Paraná para alcançar o investimento mínimo em saúde em 2008, ano do último
balanço do governo analisado pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE-PR). O relatório, analisado pelo TCE-PR no ano passado,
mostra a destinação de 12,19% das receitas para a saúde. Para alcançar o porcentual, contudo, o estado considerou saneamento
e o programa do leite, que distribui a bebida para 157 mil crianças, como programas de saúde. Sem o leite, o investimento
seria de 11,3% - e ainda é possível retirar outras ações da lista (ver infográfico nesta página). As contas de 2009 ainda
não foram divulgadas pelo TCE.
Tanto a Secretaria de Estado da Saúde quanto a coordenação do Leite das Crianças justificam que o programa evita a desnutrição
e, por essa razão, pode ser considerado medida de saúde pública. A Resolução 322, do Conselho Nacional de Saúde (CNS), contudo,
desmente a afirmação. Uma das obrigações apontadas pelo documento é que as ações "sejam de responsabilidade específica do
setor de saúde, não se confundindo com despesas relacionadas a outras políticas públicas que atuam sobre determinantes sociais
e econômicos, ainda que com reflexos sobre as condições de saúde".
Na falta da regulamentação da Emenda 29, a resolução do CNS, publicada em 2003, deveria, em tese, estabelecer critérios
para o setor, na avaliação do Ministério da Saúde. "A legislação do CNS deveria ser o parâmetro a ser seguidos pelos secretários
estaduais e municipais", afirma e-mail enviado pela assessoria do ministério à Gazeta do Povo. A dificuldade em obrigar
os estados a usar a recomendação causa prejuízos enormes para o setor. Por ano, cerca de R$ 5 bilhões deixam de entrar no
SUS em razão de investimentos como o Leite das Crianças. O valor é quatro vezes maior do que o orçamento do Paraná para a
saúde em 2010.
O diretor de Contas Estaduais do TCE-PR, Mauro Munhoz, afirma que, apesar das ressalvas das equipes técnicas, os relatores
do Tribunal consideram, em geral, investimentos não diretos - saneamento, por exemplo - como da área de saúde. "A área técnica
faz a distinção desse tipo de investimento, mas a maior parte dos estados questiona a falta da regulamentação, abrindo precedente
para grandes discussões", diz. "No âmbito do Tribunal de Contas, os pareceres têm sido favoráveis aos estados, autorizando
esse tipo de programa, ao contrário da interpretação do Ministério da Saúde."
Direitos
Entre os juristas, a questão divide opiniões. Paulo Schier, professor do mestrado em Direito Constitucional das Faculdades
Integradas do Brasil (UniBrasil), não vê necessidade de regulamentação da Emenda 29. "Com a previsão original antiga de 3%,
não havia a obrigatoriedade. Após a emenda, torna-se obrigatória?", questiona. Por outro lado, o professor de Direito Administrativo
da Universidade de São Paulo (USP) Gustavo Justino de Oliveira considera a regulamentação essencial pelo esforço de adequação
de estados e municípios. "O comprometimento do orçamento cresceu, só que a saúde não pode ser um guarda-chuva que recebe todos
os tipos de investimento", diz.
Sobre a Resolução 322/03, Schier analisa a existência da norma do CNS como suficiente para regulamentar os critérios.
"Evidentemente a não aplicação do mínimo constitucional pode e deve responsabilizar os estados", afirma. Justino entende que,
apesar de o CNS ser órgão regulamentador do Ministério da Saúde, a Resolução solitária não é suficiente. "Ela não tem a competência
de legislação, por isso há necessidade de se editar lei", avalia. Em 2007, durante a votação para o fim da CPMF, imposto que
se destinava à saúde, a regulamentação chegou a constar na pauta dos parlamentares, mas não foi discutida.
Fonte:
href="http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?id=1008759&ch" target="_blank">Gazeta do Povo