06/09/2019

Para o ministro da Saúde, os custos da assistência precisam ser rediscutidos

Luiz Henrique Mandetta foi palestrante no IX Congresso Brasileiro de Direito Médico, realizado pelo CFM em Brasília

Para o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, não há solução para a saúde brasileira fora do atendimento em rede pública. “Mesmo quem tem plano de saúde, um dia vai precisar do SUS, daí nossa responsabilidade de melhorar o nosso sistema e de debater a qualidade dos nossos custos”, afirmou. Foi durante a conferência “A implantação plena do SUS nos moldes atuais: é possível? ”, primeira atividade de quinta-feira (5), o segundo e último dia do IX Congresso Brasileiro de Direito Médico, promovido pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), em Brasília (DF).

clique para ampliarclique para ampliarCongresso foi realizado no auditório da Associação Médica de Brasília e teve ampla participação. (Foto: CFM)

Após explanar sobre o desenvolvimento da saúde no Brasil, que começou com a criação, na Bahia, do primeiro curso de medicina no País, por dom João VI, Mandetta afirmou ser necessário discutir questões como a efetividade da atenção básica e os custos impostos pela medicina genética. “Se até a Constituição de 1988 tínhamos uma saúde pública baseada na filantropia, a partir de então ela passou a ser um direito de todos e um dever do Estado”, lembrou.

Após listar os avanços da saúde no Brasil, como a ampla cobertura vacinal e a criação da Estratégia de Saúde da Família (ESF), o ministro afirmou que muita deve ser melhorado. Segundo relatou, o Ministério da Saúde está implementado um sistema que libera mais recursos para os municípios que melhorarem os índices de saúde e anunciou a criação do Médicos pelo Brasil.

Integralidade

Ao mostrar as linhas gerais do programa, momento em que foi muito aplaudido pela plateia, Mandetta informou que não haverá interferência política na contratação dos médicos e que haverá um acompanhamento maior dos indicadores epidemiológicos. “Todo médico que atua na saúde primária deveria avaliar os pés dos diabéticos. Se assim fosse, não teríamos tantas amputações decorrentes do diabetes”, exemplificou.

clique para ampliarclique para ampliarMonistro da Saúde foi um dos palestrantes. (Foto: CFM)

Mandetta também afirmou ser necessário um debate sobre a integralidade. “Recentemente aprovamos, no Ministério da Saúde, a incorporação de remédio para o tratamento da atrofia muscular espinhal. Nossa expectativa é que tenhamos um custo de R$ 140 mil por paciente. Ocorre, no entanto, que foi descoberta uma nova terapia para o tratamento da doença, que custará R$ 1,2 milhão. Se formos atender os cerca de 1.500 brasileiros com AME, teremos um custo de R$ 12 bilhões. Recursos esses que farão falta na atenção básica”, pontuou.

A apresentação do ministro foi seguida de palestra da advogada Lenir Santos, presidente do Instituto de Direito Sanitário (Idisa). Para ela, os custos tecnológicos, o envelhecimento da população e os transtornos mentais advindos do modo de vida atual devem impactar os gastos com a saúde, mas não estão sendo levados em conta no Brasil.

“No Canadá, por exemplo, eles sabem quantas enfermeiras vão precisar daqui a 20 anos, aqui não conseguimos fazer um planejamento a longo prazo”, afirmou. Lenir também defendeu mais recursos para a saúde, o que a fez questionar: “como é possível atender 210 milhões de pessoas destinando apenas 4% do PIB para a saúde? ”.

A presidente da mesa, Laurita Vaz, ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ), defendeu a autonomia da Justiça nas questões de judicialização. “É justo deixar uma pessoa morrer porque ela tem uma doença rara?”, perguntou. Para a ministra, o maior problema do Brasil é a corrupção. “O STJ tem sido austero no combate aos crimes contra o SUS. A corrupção é o maior mal atual do nosso país porque ela tira a saúde da camada mais pobre da população”, afirmou.

Nos dois dias de trabalhos do IX Congresso, o Conselho de Medicina do Paraná esteve representado pelos conselheiros Roberto Yosida (Presidente), Laura Moeller, Edison Luiz Almeida Tizzot e Alcino Cerci Neto.

clique para ampliarclique para ampliarForam dois dias de debates e mais de 300 participantes. (Foto: CFM)

Autonomia do profissional e do paciente

"Estamos em uma fase de reformulação: de sistema, de remuneração, de formação, de pensamento clínico", afirmou Lívia Callegari, advogada e membro da Sociedade Brasileira de Bioética (SBB), na abertura do ciclo de conferências sobre autonomia do médico – realizada em 5 de setembro, segundo dia do IX Congresso Brasileiro de Direito Médico, organizado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). O segmento contou com a coordenação de Jeancarlo Cavalcanti, conselheiro federal pelo Rio Grande do Norte, que destacou a relevância de todas as exposições.

Na visão da advogada, "o paciente é cada vez mais do hospital e não mais do médico". Para chegar a essa conclusão, ela leva em conta fatores como divisão técnica de trabalho, assalariamento, carga horária, número de atendimentos, limitação à quantidade de exames e procedimentos, protocolos, monitoramento de indicadores, controle do acesso e do fluxo de pacientes.

Abordando os conflitos de interesse existentes na assistência à saúde, Lívia Callegari pontuou que "não é difícil encontrar protocolos que priorizam metas para economia do sistema. E os médicos deveriam participar da elaboração de guias, protocolos e padronizações sabendo que foram elaborados a partir de evidências com bases estruturadas para se pesar riscos, benefícios e custos aos pacientes. Mas, infelizmente o processo de criação desses documentos nem sempre segue essa lógica".

O advogado Osvaldo Simonelli, que atua no Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp), ponderou que, ao se tratar de autonomia médica, é preciso considerar também a autonomia do paciente. Citando o artigo 5º da Constituição Federal, questionou: "será que somos, de fato, autônomos nos sistemas atuais? Precisamos entender que a autonomia é definida a partir de normas e, assim, delimitada - o que é bom ".

Para o palestrante, o maior dos marcos de autonomia médica está no Código de Ética Médica - ao afirmar que "o médico exercerá sua profissão com autonomia, não sendo obrigado a prestar serviços que contrariem os ditames de sua consciência ou a quem não deseje, excetuadas as situações de ausência de outro médico, em caso de urgência ou emergência, ou quando sua recusa possa trazer danos à saúde do paciente".

Dando continuidade aos debates sobre autonomia, o defensor público-geral federal Gabriel Faria Oliveira defendeu que, "ao paciente - independentemente do perfil socioeconômico – devem ser garantidas as condições para escolha autônoma, esteja ele na rede pública ou privada. E o médico tem grande responsabilidade com a garantia da igualdade e da equidade nesse processo".

O chefe da Defensoria Pública da União (DPU) destacou também que a autonomia médica tem grande relevância e impacto no Judiciário - apontando que, " apesar de hoje estarmos também tabelados, seguimos a indicação médica e vamos em busca dos procedimentos e medicamentos. Tanto que um dos aspectos que mais gera judicialização no campo da saúde refere-se ao descompasso entre o que é oferecido na rede pública e o que é prescrito pelo médico".

Marcos de reconhecimento tanto da autonomia médica quanto do paciente, os conferencistas destacaram ainda a relevância do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e de avocação de objeção de consciência. Nesse sentido, o juiz de Direito João Costa Neto, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, alertou que "a grande questão na objeção de consciência é definir o que é matéria de ordem pública e o que é de ordem privada, o que é um acordo moral razoável".

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