13/06/2022

Poluição do ar: como esse problema ambiental pode afetar a saúde das pessoas?

Questão é abordada pela conselheira Gláucia Barbieri, coordenadora da Câmara Técnica de Pneumologia e Tisiologia do CRM-PR , e a chefe do Laboratório de Patologia Ambiental e Experimental do HC/USP, Mariana Veras

Juntamente com as mudanças climáticas, a poluição atmosférica é considerada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como uma das maiores ameaças à saúde humana. A entidade estima que ocorram, a cada ano, cerca de 7 milhões de mortes prematuras ligadas à exposição a poluentes. Somente no Brasil, são pelo menos 50 mil óbitos por ano.

Trata-se de um problema que ultrapassa há muito tempo a questão ambiental, atingindo fortemente a saúde pública. Segundo um estudo divulgado antes da pandemia pelo Instituto Saúde e Sustentabilidade, se os índices de poluição do ar registrados em seis regiões metropolitanas em 2016 não fossem reduzidos, seriam necessárias 69 mil internações públicas em decorrência de doenças relacionadas. O custo junto ao Sistema Único de Saúde (SUS) seria de R$ 126,9 milhões entre os anos de 2018 e 2025.

Que doenças podem ser provocadas ou agravadas pela poluição? Como esse problema afeta a saúde? E quais os caminhos para reduzir a poluição nas grandes cidades? Ecoa ouviu especialistas para responder essas e outras questões sobre o assunto.

clique para ampliarclique para ampliarDra. Glaucia, do CRM-PR, e Dra. Mariana, da USP/ (Foto: Arquivo)

Quais os tipos de poluição do ar?

Poluição do ar não é apenas a poluição que envolve emissão de gases por meio de atividades industriais e de transporte, explica Gláucia Maria Barbieri, coordenadora da Câmara Técnica de Pneumologia e Tisiologia do Conselho Regional de Medicina do Paraná (CRM-PR). Essa, observa a pneumologista, é a poluição externa. Há ainda a poluição interna, que ocorre dentro dos domicílios e nos últimos anos tem preocupado os especialistas em função do aumento da crise econômica.

“Muitas famílias de baixa renda, com o aumento do custo de vida, estão deixando de usar fogão a gás. Estão cozinhando de maneira improvisada, com lenha. A combustão disso é altamente tóxica. Imagine isso acontecer em um ambiente fechado, menor”, salienta ela, ao alertar que essa prática é tão perigosa para a saúde quanto fumar.

No caso da poluição externa, Gláucia classifica o problema como um inimigo silencioso e, na maioria das vezes, ignorado — até que os problemas de saúde comecem a ser diagnosticados. "O efeito no organismo depende da intensidade da exposição. Viver em uma cidade com efeitos da poluição externa é, mais ou menos, como fumar. A partir de um certo tempo que se é tabagista, as consequências vêm", pontua.

Como são estabelecidos os padrões de qualidade do ar? E qual a situação do Brasil?

A chefe do Laboratório de Patologia Ambiental e Experimental do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), Mariana Veras, alerta que, apesar de existirem padrões de qualidade do ar, não existem limites seguros para poluição atmosférica. O que existem, destaca a pesquisadora, são limites aceitáveis.

Esses padrões são determinados com base em revisões sistemáticas de pesquisas científicas realizadas no mundo todo. Para essas análises, são escolhidos poluentes de referência — entre eles, gás carbônico, ozônio e material particulado fino, composto principalmente pela fuligem emitida por veículos.

É a concentração desses poluentes na atmosfera que é mensurada pelos cientistas. "Quando são juntadas muitas evidências que sugerem que esse padrão de qualidade do ar deve ser modificado porque representa risco à saúde, então há mudança", complementa. Apesar de se tratar de uma diretriz global, o Brasil, assinala Mariana, não segue o padrão de qualidade do ar preconizado pela OMS. "O nosso país está atrasadíssimo nesse sentido. São Paulo tem um programa diferente, que ao longo dos anos tende a atingir o padrão antigo da OMS, de 2005. Mas também não tem fase de implementação, punição para quem não atender, é só no papel", analisa.

De acordo com um estudo do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema), a poluição do ar em São Paulo esteve acima do recomendado pela OMS ao longo dos últimos 22 anos. Enquanto o limite para MP2,5 (tipo de material particulado) recomendado pela OMS é de até 5 microgramas por metro cúbico, a cidade teve pontos com quatro vezes mais concentração desse poluente.

clique para ampliarclique para ampliarTrânsito caótico e a poluição que afeta a vida de milhões de pessoas. (Foto: Arquivo)

Como a poluição afeta a saúde?

Os materiais particulados finos estão entre as maiores preocupações dos especialistas da área. Menores que uma célula, após inalados, podem ser distribuídos pela corrente sanguínea e liberar substâncias tóxicas, como metais pesados e hidrocarbonetos carcinógenos, aponta Mariana.

A pesquisadora ressalta que, embora o pulmão seja a porta de entrada para esses poluentes no organismo, os efeitos da poluição podem acometer além do sistema respiratório. É o caso da função renal, os sistemas metabólico, imunológico e cardiovascular, cita. "O mecanismo de defesa é o processo inflamatório, que é a base de inúmeras doenças. Além disso, nosso corpo também pode armazenar essas substâncias nos ossos e tecido adiposo", acrescenta Mariana.

Ela observa que uma gestante que vive em área com alto índice de poluição pode transferir essas substâncias tóxicas para a criança, ainda que se mude para um local menos poluído durante a gestação. “Para os bebês, há o risco de baixo peso, doenças respiratórias, distúrbios comportamentais e de aprendizado. A mãe tem ainda risco de pré-eclampsia", diz Mariana, ao ressaltar que existem também evidências relacionando a poluição com o agravamento de doenças como o Alzheimer, lúpus e aterosclerose. "Uma vez no nosso corpo, os poluentes podem nos impactar de diferentes formas. Tudo vai depender da condição de saúde, idade e dose de exposição”, frisa.

Conforme conta Mariana, estudos realizados no Laboratório de Patologia Ambiental e Experimental demonstraram que permanecer duas horas no trânsito inalando a poluição direto da fonte emissora equivale ao mesmo que fumar de um a dois cigarros no mesmo período.

A pneumologista Gláucia Maria Barbieri acrescenta a essa relação de doenças ainda o infarto agudo do miocárdio, o acidente vascular cerebral (AVC) e a predisposição a câncer, sobretudo o de pulmão. "Logicamente, em consequência disso, temos muitas mortes precoces", resume.

Quem é o público mais vulnerável a esse problema?

São as crianças, os idosos, as pessoas com doenças preexistentes e os trabalhadores de ambientes externos, como vendedores ambulantes, taxistas e motoboys, destaca Mariana. Ela pontua que um paciente com asma ou problema cardiovascular tende a sentir mais rapidamente os efeitos da poluição atmosférica do que alguém considerado saudável. "Nesse caso, as consequências são de longo prazo", reforça.

Como isso reflete em termos de saúde pública no país?

Para a chefe do Laboratório de Patologia Ambiental e Experimental do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), a questão envolve o enfrentamento de setores como a indústria do transporte e de combustíveis. Embora o impacto de políticas públicas para melhorar a qualidade do ar seja discutido considerando o custo dessas medidas para esses setores, o gasto com saúde pública não é colocado mesma mesa de discussões. "Não implementar essas políticas também gera custo para saúde, gera mortes. Se as pessoas deixarem de trabalhar uma semana, tem custo, gastos com remédio ao invés de lazer. O custo em saúde nunca consegue ganhar do argumento do custo para a saúde da indústria", lamenta.

Qual o caminho para mudar esse cenário?

Ambas as especialistas apontam a implementação de políticas públicas para conter os impactos da poluição do ar junto à saúde. "Precisa ser algo com o que os governos se preocupem, que o cidadão cobre. É preciso ter essa consciência", diz a pneumologista Gláucia.

Ao mesmo tempo, Mariana sinaliza que, além da pressão da sociedade junto ao poder público, pequenas ações diárias podem ajudar a gerar menos poluição atmosférica. É o caso de trocar o carro por caminhadas, transporte público ou uso de bicicletas e evitar grandes deslocamentos diários, especialmente em vias de tráfego intenso. A ingestão de bastante líquido, alimentos ricos em vitamina B e C e a prática de exercícios físicos também pode ajudar a evitar problemas decorrentes da exposição à poluição.

Fonte: jornalista Antoniele Luciano (de Curitiba), material veiculado em 11/06/2022 no Ecoa, Portal do UOL.

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