Por mais recursos para a saúde, diga sim!

Há 35 anos ocorre no Brasil uma luta pela garantia da saúde como direito social pelo movimento sanitário, que defende a saúde como política de Estado, para que se torne prioridade para todos os governos. Mas, apesar da existência do Sistema Único de Saúde (SUS), criado para ter abrangência universal e operar com qualidade por gestão pública, há forte tendência de crescimento e reserva da assistência médica ao mercado. Nesse contexto, o SUS vem se consolidando ao revés de seus objetivos constitucionais, como um sistema ruim, para pobres, com restrita oferta de serviços e baixa qualidade.


Nos primeiros anos da instalação da democracia, depois da sombria ditadura militar, o movimento sanitário apostou na possibilidade de elevar a saúde à condição de direito social, universal e garantido pelo Estado. Esse propósito político conseguiu a convergência de amplos setores da sociedade e da classe política, de modo que a saúde ganhou destaque como política pública na Constituição Federal. Entretanto, com as mudanças políticas e econômicas mundiais e locais das últimas três décadas, o cenário e os conflitos de interesses nesse campo estão bem mais complexos, comprometendo a chance de consolidação daquele SUS concebido nos anos 1980.


A mercantilização da saúde vem se instalando insidiosamente no país, aumentando a hegemonia política dos grupos de empresários do ramo. As fragilidades do SUS operam como argumento para a busca de alternativas para a compra de planos privados de saúde. Dificuldades de acesso e baixa qualidade decorrem, fundamentalmente, da insuficiência dos recursos financeiros destinados à saúde pública, e traduzem a complacência e o baixo compromisso dos governos frente aos preceitos constitucionais de garantir o direito universal à saúde.


A reversão desse perverso modelo é muito difícil não apenas pelas forças políticas envolvidas mas, especialmente, pelo baixo valor que a sociedade brasileira imprime ao SUS. A desvalorização da sociedade é de diversas origens e envolve a cultura quanto aos direitos sociais, cultura essa que o SUS não conseguiu reverter graças a sua não convincente qualidade. Remover esse terreno e cultivar novos valores sociais é um grande desafio.


O Movimento em Defesa da Saúde Pública, cuja marca é Saúde - 10, surge como oportunidade de estabelecimento de um diálogo com a população sobre a saúde. As diversas entidades nacionais envolvidas estão empenhadas nessa tarefa. Entidades religiosas de diversos matizes incluíram o direito à saúde como tema em seus ritos, bem como sindicatos, associações de profissionais, moradores e sociedades acadêmicas, que se empenham na coleta de assinaturas para apresentar ao Congresso Nacional um projeto de lei de iniciativa popular por mais recursos para a saúde. Tal projeto define como percentual mínimo de aplicação em ações e serviços públicos de saúde 10% da Renda Bruta da União. Se esse investimento público for conquistado, ainda estaremos abaixo de países vizinhos, como a Argentina, que destina maior percentual de seu PIB à saúde, mesmo sem a pretensão de oferecer um sistema universal e integral aos cidadãos.


A consciência popular sobre o direito à saúde pública nesse complexo cenário e diversidade de interesses deve localizar a defesa da saúde como questão de interesse público, ou seja, de interesse do Estado nacional. E dizer sim ao SUS, ao direito à saúde. Enquanto isso não ocorrer, a vida humana continuará, na maioria dos casos, valendo menos que a vida de muitos animais do agronegócio, essa, sim, devidamente protegida pelo capital.



Artigo escrito por Ana Maria Costa, médica, doutora em ciências da saúde e presidente do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (www.cebes.org.br). Publicado no jornal Correio Braziliense.

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