Praticar a empatia, caminho a trilhar

Amanda Valim Kampa Cassab

Cena 1: você é estrangeiro, trabalhando no estado do Rio de Janeiro, onde a violência urbana tem índices de guerra e o sistema de saúde é desconhecido para você. A pandemia está a todo vapor, assim como a corrida para vacinação. Nesse contexto, você descobre que contraiu a Covid-19. O que você faz? Liga para o médico do seu país de origem. Ele faz as recomendações. Você respeita, mas ele está tão longe... Melhor ver um médico daqui mesmo. E você vai. Conduta totalmente diferente. Ele está preocupado, recomenda iniciar o tratamento o quanto antes. Você começa, mas será que precisa de tudo isso? Até que você encontra outro profissional, que contraindica os remédios, dá as mesmas orientações que o primeiro, aquele do seu país de origem. E você segue, tranquilo. Algumas semanas depois, você está bem, sua esposa também. Alívio. Ainda bem que não precisou de hospital...

Cena 2: você é médico no Rio de Janeiro, onde a violência urbana tem índices de guerra e o sistema de saúde você conhece bem: desorganizado, leitos insuficientes, vários colegas seus já perderam pacientes graves à espera de internação. Pandemia a todo vapor. Você atende uma consulta por telemedicina: um jovem senhor estrangeiro e sua esposa apresentam sintomas leves e exames positivos para Covid-19. Eles querem suas recomendações. Você pensa: o que faço? Recomendo apenas repouso, hidratação, Dipirona? Mas espere aí, a Dipirona não era aquela medicação que foi praticamente banida dos EUA e Europa por mielodisplasia?

E se ele piorar, vai ter acesso ao sistema de saúde? Particular ou público? Não importa, não há leitos em ambos. Você se certifica de que o paciente não tem doença hepática conhecida prévia nem alergias medicamentosas, e toma a decisão: na falta de evidências (os estudos que você leu ainda não o convenceram), você lança mão do que acredita que ajuda e prescreve algumas medicações, torcendo para funcionarem ou pelo menos não prejudicarem o doente. E que ele não precise de hospital, pois você já sabe que não há leitos.

Depois disso, você não tem mais retorno do paciente. Melhorou? Piorou?

Até que um belo dia você lê um artigo de um jornalista e aquele nome não lhe é estranho. E você descobre que sim, ele está bem e sua esposa também. Não fez o tratamento que você indicou, mas pelo menos sobreviveu. Alívio.

Quem está certo ou errado?

Sobre o tratamento, não sei (ainda).

Mas devo pontuar que me parece deselegante expor num artigo publicado em veículo de grande circulação as diferentes condutas médicas e ridicularizar o país que até agora o recebeu bem, onde o acesso ao médico foi rápido e, se você precisasse, daria a assistência integral gratuitamente (algo impensável no seu país de origem), mesmo sendo estrangeiro.

Da mesma forma, considero deselegante a forma como a revista Fórum trouxe a reportagem (é claro que o viés político desta é incontestável), ridicularizando o médico que prescreveu o tratamento precoce.

O mesmo jornalista norte-americano também escreveu outro artigo, também para o Washington Post, falando em tom jocoso sobre o Brasil estar usando a vacina da Sinovac sendo que sua taxa de imunização é de apenas 50%.

Mas quantos colegas eu vi comemorarem, até fotografarem o momento em que receberam a primeira dose da famigerada vacina chinesa!

Então, caros colegas, em vez de acusações a quem prescreve H ou Z, sugiro praticarmos a empatia. Ainda é o caminho mais seguro para trilharmos. Afinal, estamos todos do mesmo lado nesta guerra. Soldado amigo nós ajudamos, não abatemos.

* Amanda Valim Kampa Cassab é presidente da Seção Paraná da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia.

**As opiniões emitidas nos artigos desta seção são de inteira responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, o entendimento do CRM-PR.

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