Quando não tem ho-ho-ho no Natal

Úrsula Bueno do Prado Guirro

No corre-corre diário podemos esquecer que nem todo mundo desfruta de alegria no Natal. Tem gente adoecida, aflita, triste, sofrendo e em luto. O Natal pode ser um evento sem sentido ou um dia difícil para essas pessoas.

Imagine uma pessoa muito doente, internada em casa ou no hospital, com a família aflita e com a morte iminente. Ou imagine que alguém querido morreu e é o primeiro Natal com a cadeira vazia na mesa de jantar.

Infelizmente, essa é a realidade de muita gente. O morrer faz parte da vida; alguns dizem que é a certeza. Mas cá entre nós: desde que não seja na nossa família.

Enquanto os filmes mostram famílias felizes esperando o Papai Noel e o espírito natalino, o adoecer e o luto estão entre outras famílias. Um dia será na nossa. O que se percebe em pleno século XXI é que não aprendemos a lidar com o fim da vida na sociedade contemporânea. Nesse contexto, estar próximo do fim de vida e vivenciar o luto se tornou uma experiência surreal, quase utópica, que não encontra espaço de acolhimento nem entre aqueles que amamos.

Certa vez ouvi de uma enlutada que ela percebia que a morte era uma experiência difícil, mas que o caminho até o morrer e o luto eram piores que a morte em si. Ela se sentia sozinha, mesmo cercada de pessoas. Difícil, não é mesmo?

Sou médica e cuido de pessoas doentes em fase final de vida. Alivio sofrimentos de toda ordem. Dor, tristeza, falta de esperança, solidão e medo. Faço uma especialidade que quase ninguém conhece: a medicina paliativa.

Ouço quase todo dia dos pacientes e das famílias como toda a trajetória no fim de vida é exigente e como ninguém estava preparado. Mas a morte não era a única certeza da vida?

Cuidar de uma mãe, um pai ou outra pessoa doente em tempo integral é exaustivo, não tem folga aos finais de semana e nem remuneração. Muitas vezes é necessário sair do emprego e deixar a própria vida em função dos cuidados constantes do ente querido. Os irmãos e outros parentes, quando existem, nem sempre estão presentes para revezar nos cuidados e raramente reconhecem o esforço diário do cuidador. No final disso tudo, a pessoa que se dedicou aos cuidados assiste a piora e recebe como “prêmio” a morte e o luto.

Diferentemente dos filmes e dos livros, a morte nem sempre é romântica. Assistir ao pôr do sol, dar um suspiro e morrer nos braços da pessoa amada não é a realidade. O adoecer com menos sofrimento, para a quase totalidade das pessoas, exige cuidados médicos, visitas ao hospital e medicações. E daí voltamos ao começo do texto.

Com luto não dá vontade de montar a árvore de Natal ou pendurar a guirlanda na porta. Ofertar cuidados para uma pessoa doente é exaustivo e pode não sobrar energia para preparar a ceia ou comprar presentes no shopping lotado. Com o luto, não tem feliz, só tem Natal.

Às vezes a gente só queria que os anos velhos voltassem para viver um pouco mais com quem amamos no ano-novo.

Para as pessoas que não estão desfrutando das festas de fim de ano, quero deixar minha solidariedade e três dicas:

1. O dia 25/12 será só um dia e que tudo se ajustará. Inclusive a sobrecarga, a dor e a tristeza. A vida se ajustará e o luto também. Aprendemos a conviver com isso tudo que é o pesar, e esse só vem com o tempo.

2. Não se engane: a saudade não vai passar. O luto é o preço que pagamos pelos vínculos que estabelecemos e o amor que existiu entre nós. Tenha paciência com as suas emoções.

3. Aos familiares, oriento que perguntem às pessoas doentes e aos enlutados como eles querem viver as festas de fim de ano. Convidar e tentar incluir é o nosso papel, mas respeitar o desejo de ficar quietinho e acolher a dor também é nossa responsabilidade.

Assim, desejo apenas um Natal, na medida do que for possível. E a minha solidariedade aos adoecidos e famílias enlutadas.

 

*Úrsula Bueno do Prado Guirro é médica, especialista em Anestesiologia, com área de atuação em cuidados paliativos. Mestre, doutora e pós-doutora em Bioética, é professora adjunta do curso de Medicina da UFPR e conselheira do CRM-PR, sendo integrante da Câmara Técnica de Bioética.

****Artigo publicado no portal da Gazeta do Povo em 22 de dezembro de 2021.

***As opiniões emitidas nos artigos desta seção são de inteira responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, o entendimento do CRM-PR.

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