Recebimento de vantagens e medicina: como a ética e a lei avaliam a questão

Alexandre Gustavo Bley (*)


"As entidades médicas estão reunidas em prol de uma melhoria das condições de trabalho, bem como resgatando a dignidade da profissão. O médico está cansado das baixas remunerações e do descaso por parte das empresas que gerenciam a saúde no País, com isto se torna mais cético e tentado a buscar outras alternativas para prover a sua vida e a de sua família. Temos que tomar o máximo de cuidado para não cedermos ao aliciamento que o mercado nos faz." Com estas palavras iniciei uma matéria sobre a mercantilização da Medicina, no Jornal do CRM no final de 2005. Dois anos depois o quadro permanece o mesmo, talvez pior.

Infelizmente estamos vivenciando um verdadeiro "negócio" em torno da doença dos pacientes. Uma das facetas deste cenário é a relação comercial entre o médico que solicita e o médico que executa o exame complementar. Acredita-se que existe pagamento de vantagem de ordem financeira, geralmente por percentagem, por parte de algumas empresas prestadoras de exames complementares aos médicos que lhes solicitam seus serviços. Está assim constituída a indústria de exames autogerados, que acarreta um aumento na planilha de custos das operadoras de saúde e costumam não beneficiar a quem é de direito, ou seja, o paciente. Devemos também lembrar que uma parcela não desprezível de exames é solicitada de forma desnecessária, alimentando mais ainda esta forma de relação e engordando os cofres daqueles que sabem realizar um bom "marketing". Estas práticas são frontalmente contestadas no âmbito ético e legal, além do que são responsáveis pelo desvio de recursos que "poderiam" ser utilizados para o incremento do honorário médico, fato que contribuiria para toda a coletividade da profissão.

O Código de Ética Médica, já em seus princípios fundamentais, deixa claro e norteia o caminho a ser percorrido pelo profissional médico, senão vejamos:

Art.2° - O alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional.

Art.4° - Ao médico cabe zelar e trabalhar pelo perfeito desempenho ético da Medicina e pelo prestígio e bom conceito da profissão.

Art.9° - A Medicina não pode, em qualquer circunstância, ou de qualquer forma, ser exercida como comércio. Já de início verificamos que o estabelecimento de uma relação comercial não convencional, não regulamentada entre as partes aqui nominadas, fere esses princípios, pois esta foi instalada, em detrimento ao que se pode e deve oferecer ao paciente. Devemos lembrar que comércio tem como significado, também, ter trato com alguém.

Mais adiante, dentro do mesmo Código, podemos verificar a proibição a esta prática, quando se diz nos artigos abaixo, que é vedado ao médico:

Art.42 - Praticar ou indicar atos médicos desnecessários ou proibidos pela legislação do País.

Art.65 - Aproveitar-se de situações decorrentes da relação médico/paciente para obter vantagem física, emocional, financeira ou política.

Art.80 - Praticar concorrência desleal com outro médico.

Art.87 - Remunerar ou receber comissão ou vantagens por paciente encaminhado ou recebido, ou por serviços não efetivamente prestados.
Todos estes artigos se completam e explicitam que é vedada a contrapartida financeira no encaminhamento de pacientes. Devemos lembrar que quem drena pacientes para uma determinada clínica, com a clara vantagem pecuniária, e quem paga esta, podem ser questionados também na esfera judicial, por favorecimento a concorrência desleal.

Do ponto de vista legal, a prática da concorrência desleal é crime tipificado, visto nas seguintes leis:

Lei 8884/1994

Esta lei dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica.

CAPÍTULO II

DAS INFRAÇÕES

Art. 20. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:

I - limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa;

Lei 9279/1996


CAPÍTULO VI


DOS CRIMES DE CONCORRÊNCIA DESLEAL

Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem:
III - emprega meio fraudulento, para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem;
Como conclusão do tema, o médico que trabalha a favor desta "propina" está não só cometendo ilicitude, mas também favorecendo a má prática médica, fato que não condiz com a nobre missão a que lhe foi concedida. A dignidade não é um produto que simplesmente se compra em prateleiras. Devemos conquistá-la.



(*) O conselheiro, especialista em CIRURGIA VASCULAR, é membro da Comissão de Divulgação de Assuntos Médicos do CRM-PR.

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