11/03/2010

Remédio na medida certa só no papel

Decreto federal autoriza venda de medicamentos fracionados, mas consumidor desconhece o direito de compra
Apesar de existir um decreto federal autorizando a venda de medicamentos fracionados há cinco anos, a prática ainda não é adotada pelas farmácias e laboratórios. Por falta de informação, a maioria dos consumidores não questiona esse direito. Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, o registro de remédios fracionados é uma opção dos fabricantes, mas um projeto de lei (PL 7029/2006) em tramitação no Congresso Nacional desde 2006 pretende tornar a prática obrigatória.

Por enquanto, segundo a Anvisa, 15 laboratórios fizeram o registro para produzir 175 medicamentos fracionados com 654 apresentações, envolvendo antibióticos, expectorantes, antihipertensivos (para pressão alta), antieméticos (náuseas e enjôos), antiinflamatórios, anti-histamínicos (para alergias), entre outros. O órgão não informa se na prática está havendo o fracionamento, mas afirma, por meio da assessoria de imprensa, que "a responsabilidade da Anvisa é assegurar a segurança sanitária deste tipo de procedimento, o que faz por meio da edição de regulamentos sanitários sobre o assunto e da coordenação das ações do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária".

Para o consumidor, a vantagem do fracionamento é poder comprar a quantidade exata de comprimidos receitada pelo médico. Hoje, um paciente que precisa de 15 pílulas de um medicamento só vendido, por exemplo, em caixas de 10 unidades, tem que comprar duas caixas. Isso acarreta uma sobra de cinco comprimidos que serão guardados em casa, induzindo a automedicação.

Segundo a Anvisa, existe um decreto (5.775, de 10 de maio de 2006), que flexibiliza o fracionamento permitindo a prática também nas drogarias. Para as farmácias, no entanto, a proposta não é interessante do ponto de vista comercial. "Cria-se muitas regras e isso implica em aumento de custo para os estabelecimentos", diz José Antonio Zarate Elias, integrante do Conselho Regional de Farmácia do Paraná. Ele diz que para adotar a prática de forma legal, as farmácias teriam que implantar uma estrutura específica.

Os fabricantes, segundo ele, teriam que enviar as caixas de medicamentos com vários blisters (suportes que acondicionam os comprimidos) timbrados com o número do lote e prazo de validade. "Isso é necessário para permitir o rastreamento. Não é possível simplesmente cortar um blister e vender o que o cliente deseja, já que um lado sempre vai ficar sem o lote e a validade", observa. Além disso, segundo Elias, para ser vendido separadamente, cada blister teria que acompanhar uma bula e uma embalagem. Toda a readequação das embalagens teria que ser supervisionada por um profissional farmacêutico e o estabelecimento seria obrigado a fazer o registro de todo remédio vendido fracionado.

"Isso tudo exige uma estrutura semelhante à dos estabelecimentos de manipulação. Por isso, acredito que as farmácias que vendem o que a indústria produz não vão se sensibilizar com os fracionados", diz Elias. Outro fator, segundo ele, é que "o forte" das farmácias hoje é a venda de remédios de uso contínuo, onde o cliente não tem a necessidade de exigir os fracionados. Ele também argumenta que os genéricos - que custam até 50% mais barato do que os medicamentos de marca - representam entre 25% a 30% das vendas do setor.

Segundo Elias, hoje apenas 5% dos medicamentos vendidos pelas farmácias permitem o fracionamento de forma legal. É o caso dos analgésicos, antiinflamatórios, antiácidos e antigripais. No caso dos anticoncepcionais, ele diz que existe fabricante que fornece caixa com três blisters (com lote e validade). "Neste caso, é possível vender separadamente. Mas o que muitas farmácias fazem é parcelar a caixa completa em três pagamentos. A economia para o consumidor é de 15% a 20%", afirma.

A reportagem tentou mas não conseguiu contato com algum representante do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estado de São Paulo (Sindusfarma).



Médico defende discussão sobre o assunto


Para o presidente do Conselho Regional de Medicina do Paraná (CRMPR), Miguel Ibraim, a possibilidade dos medicamentos fracionados é "pertinente" para o consumidor porque gera economia e diminui os riscos da automedicação e a ingestão por crianças, já que não sobra remédio em casa. Ele considera, porém, que a proposta é difícil de ser colocada em prática sem que haja uma discussão, envolvendo a população, a classe médica, o varejo e a indústria farmacêutica. "A lei tem que ser boa para todos os segmentos. E, no geral, tem que haver mais informações disponíveis. Até onde sei, a discussão sobre o assunto não tem sido muito divulgada", diz Ibraim.

Segundo Ibraim, hoje os médicos prescrevem o medicamento, levando em conta quantos dias o paciente deve tomar o remédio. Se houvesse o fracionamento no mercado, o profissional já poderia determinar a quantidade de comprimidos a ser comprada. "Essa ideia é muito boa, mas vejo dificuldade de aplicabilidade universal. Há muitas variáveis. O tempo necessário para controlar uma infecção, por exemplo, pode ser diferente de acordo com a idade e outras característica do paciente. Não é matemático", analisa. Outro ponto, na avaliação do presidente do CRMPR, é que hoje - com a gama de medicamentos existentes e a constante evolução do mercado - o médico nem sempre tem informações sobre os tipos de apresentação de cada medicamento. "Ou seja, não podemos saber, em todos os casos, quantos comprimidos vêm em cada caixa".



Você sabia que existe um decreto que permite a venda de remédios fracionados?



"Não sabia disso. Já passei pela situação de ter que tomar menos remédio do que vinha na caixa e sobrou em casa. Seria bem melhor poder levar só o necessário".

Salen Gonçales, estudante universitária


"Nunca ouvi falar dessa possibilidade. Já tive que comprar remédio com 40 cápsulas para tomar apenas 30. Aquilo que sobrou venceu. Se tivesse o fracionado a população iria economizar".

João Carlos da Silva Júnior, supervisor de transporte


"Não sabia do decreto, mas seria muito interessante para o consumidor poder gastar menos e não ter o perigo de deixar remédio sobrando em casa. Remédio vence e, além disso, é muito caro".

Aline Aparecida Nunes, costureira




Fonte: Folha de Londrina

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