20/01/2011

Reprodução Assistida - Novas regras acompanham evolução da sociedade

Homossexuais e solteiros podem recorrer ao procedimento; é proibido escolher o sexo e outras características do bebê



O Conselho Federal de Medicina (CFM) estabeleceu no final do ano passado novas regras para a reprodução assistida por meio da resolução 1957/2010. Agora casais homossexuais e solteiros podem recorrer ao procedimento. Além disso, a nova determinação proíbe a seleção de embriões para escolher o sexo ou outras características do bebê. Outra novidade é que embriões, óvulos e espermatozoides congelados poderão ser usados após a morte do doador mediante autorização registrada em cartório.


Um exemplo da importância da resolução é o caso da professora curitibana Kátia Lenerneier, de 38 anos. Ela está grávida do marido Roberto Jefferson Niels, que morreu de câncer de pele em fevereiro de 2010. Como Niels não deixou por escrito a vontade de ser pai, Kátia precisou recorrer à justiça para poder engravidar por meio da fertilização in vitro, uma vez que o casal havia decidido congelar o sêmen do marido quando foi descoberta a doença.


"A condição de reprodução humana pós-morte apenas tornou-se mais clara, pois a prática já era permitida", afirma Hélcio Bertolozzi Soares, secretário-geral do Conselho Regional de Medicina do Paraná (CRM/PR), que destaca que a resolução acompanha a evolução da sociedade.



As novas regras para a reprodução assistida podem ser consideradas um avanço?



Sim! A Resolução n.º 1957, de 15 de dezembro do ano de 2010, vem atender o aspecto evolutivo da sociedade, com seus propósitos de amparo às contingências do desenvolvimento técnico, mas, também, aos aspectos da moral e da ética. Posiciona-se em respeito às condições isonômicas que é direito de qualquer cidadão. As condições de igualdade, mesmo para as porções minoritárias da sociedade é direito incrustado em nosso Código Civil, que é o que baliza o cidadão dentro do sociedade. A igualdade é certamente bem-vinda e benfazeja a todos nós. Portanto, representa um avanço ao se dar o direito a casais homoafetivos.

Quanto à condição de Reprodução Humana pós-morte, apenas tornou-se mais clara, pois dentro da contingência necessária e obrigatória no que concerne da elaboração do consentimento prévio e esclarecido, já permitia a sua acatabilidade dentro do lícito e ético. A evolução da ciência é muito mais rápida do que o que ocorre com as leis. É necessário que agilize, dentro do cenário político e da Justiça, leis que venham em amparo ao fruto destas tecnologias recentes da fertilização.



Permitir a reprodução assistida para homossexuais pode ajudar a reduzir o preconceito?


Nos últimos dias tomamos conhecimento do caso específico de uma união homoafetiva com coleta de espermatozoide de um deles, fertilizado com óvulo de uma doadora não identificada, e após a sua fertilização em laboratório, inserida em doadora uterina, com pleno êxito em sua evolução, culminando com nascimento do filho. É de se salientar que tal processo não pode ocorrer no país do doador do espermatozoide face ingerências e obrigações de ordem jurídica que lhes impediu esta complexidade.Se somos a favor e da igualdade de cidadânia a todos, devemos também nos preocupar com o produto desta união fisiológica. Então, eu pergunto: será que o cidadão que nasceu aceitará de forma simples as contingências deste admirável mundo novo? Será que colocará obstáculos futuros para saber de quem ele é realmente é filho? Neste infernal mundo de questionamentos será possível se omitir o nome verdadeiro pai ou verdadeira mãe? Que venha a Justiça a nos esclarecer. O direito a estes dados é condição líquida e certa a todos nós. Gostaria, como profissional da área médica, que todas estas preocupações que aturdem a mim, estivessem apenas sob a minha decisão de fé profissional. Contudo, não é o que se observa nem aqui e nem em qualquer parte do mundo. Estes desdobramentos são cruciais para a boa prática da ciência.



Qual a sua opinião sobre esses questionamentos. Esse cidadão deve ou não ter direito de conhecer os pais?

Esta é uma situação que deve ser estudada dentro da justiça. A minha opinião seria de endosso ao direito do cidadão. Tenho conversado com alguns juristas que também acreditam nesta possibilidade, porém, pensam ser motivo de discussões.



A resolução proíbe a seleção de embriões para escolha do sexo ou de outras características do bebê. Por que os pais não têm esse direito?


A seleção ou a escolha do sexo fetal, como outras características, não encontra eco nas Resoluções do Conselho Federal de Medicina. A evolução da genética médica deve ser obedecida dentro do que se dispõe no novo Código de Ética Médica. Entende-se que dentro das patologias ligadas ao cromossomo X ou Y é perfeitamente aceitável o seu uso. Quando se entregou a não-aceitação da seleção fetal, foi muito mais voltado às contingências políticas ‑ tanto da eugenia como da escolha ‑ , por países asiáticos, da necessidade de maior número de nascidos homens do que mulheres, discriminando a mulher como força de trabalho e, hoje, com enormes problemas no equilíbrio social nestes países. Contudo, podemos divagar em propósitos absolutamente possíveis na escolha de sexo fetal, por exemplo, para um casal com cerca de dez filhos homens e que gostaria de ter uma filha mulher. No meu entendimento, é perfeitamente aceitável esta situação, pois não encontro qualquer fator de discriminação entre os filhos, a não ser simplesmente acatar um desejo materno, em busca quem sabe de uma entrega espiritual. Todavia, aqui certamente teríamos que atender as exigências jurídicas para amparar esta altercação da resolução.



Nos países asiáticos foi feita essa seleção?


No Brasil existe um programa de planejamento familiar no qual o casal define o número de filhos que deseja. Disponibiliza, dentro da Saúde Pública, métodos anticonceptivos. Nos países que adotam o controle de natalidade é de responsabilidade do Estado o poder de decisão quanto ao número de filhos. Na metade do século passado alguns países asiáticos chamaram para si esta responsabilidade, quanto ao número e também ao sexo.



As novas normas limitam o número de embriões que podem ser aplicados de acordo com a idade da mulher. O objetivo é evitar gestações múltiplas e de risco. Como o senhor avalia essa determinação?



Quanto maior o número de embriões, tanto maior será o número de intercorrências, riscos maternos e fetais, maiores custos sociais e maiores chances de perdas ou decessos. A infertilidade é problema de saúde pública. Portanto, deve e tem necessidade de ser assessorada. Os cuidados com embriões têm sido fruto de enormes discussões em todos os ambientes.



A idade da mulher conta muito para a reprodução assistida?


Em mulheres com até 35 anos é recomendável até dois embriões; de 35 a 40 anos, três; e com mais de 40, no máximo quatro.



O Conselho Federal de Medicina determina punição, que vai da advertência até a cassação, aos médicos que não cumprirem as novas normas. Como é feita a fiscalização?


Os conselhos de medicina são órgãos de defesa da sociedade e devem agir não apenas punindo médicos, mas realizando fiscalização e sendo órgão educativo na prática da medicina. O sucesso todos nós buscamos, mas o cenário tem que ser respeitado. Esta área é competitiva, vários conflitos alimentam o jogo de interesses. Em boa hora o CFM mostra os caminhos a serem perseguidos para a boa prática médica. As mudanças da sociedade, com os seus desejos dentro da licitude ética, moral e jurídica, podem e devem ser perseguidas.



Fonte: CRM-PR e Folha de Londrina

Envie para seus amigos

Verifique os campos abaixo.
    * campos obrigatórios

    Comunicar Erro

    Verifique os campos abaixo.

    * campos obrigatórios