Reprodução assistida: questões éticas ou legais?

O Conselho Federal de Medicina editou a Resolução n.º 1.957/2010, estabelecendo novos parâmetros éticos para a utilização das técnicas de reprodução assistida. A nova resolução trouxe poucas inovações. Manteve a proibição da sexagem, ou seja, a aplicação de técnica para selecionar o sexo ou qualquer outra característica biológica do futuro filho, proibiu a fecundação de óvulos com qualquer outra finalidade que não a procriação humana e continuou a exigir o chamado "consentimento informado" dos pacientes (doadores e receptores), abrangendo os aspectos biológico, jurídico, ético e econômico do procedimento.
Entre as modificações, destaca-se o estabelecimento de novos limites para implante de embriões em pacientes que se submetem à técnica. O teto anterior de quatro embriões está mantido apenas para mulheres de 40 anos ou mais. Em mulheres com até 35 anos, o número máximo de embriões a serem transferidos não pode ser superior a dois e, em mulheres entre 36 e 39 anos, até três embriões.

Porém a novidade mais comemorada refere-se aos que podem se submeter às técnicas de reprodução assistida. Enquanto a resolução anterior, de 1992, estabelecia que apenas a mulher capaz poderia ser receptora dessas técnicas, exigindo, ainda, a aprovação do cônjuge ou do companheiro, quando casada ou em união estável, a nova regulamentação do CFM diz que todas as pessoas capazes podem ser receptoras das técnicas de reprodução assistida, o que permitiria, pelo menos sob o aspecto ético, desde que afastado risco grave à saúde do receptor ou do possível descendente, a tão polêmica gravidez masculina. Se a medicina avançar a ponto de admitir uma tal possibilidade, para o CFM não haverá qualquer óbice ético!

Outra alteração refere-se ao destino dos embriões excendentários. A resolução anterior determinava que o excedente seria criopreservado, não podendo ser descartado ou destruído. A nova regulamentação, ao contrário, permite o descarte de embriões, estabelecendo que do número total de embriões produzidos em laboratório, somente os excedentes viáveis seriam criopreservados. Objeta-se, todavia, se poderia o CFM haver admitido expressamente o descarte de embriões, em possível afronta ao art. 5º da Constituição Federal. Ou o direito à vida não tutelaria também o embrião? Não são poucos os juristas que entendem que, se a proteção constitucional do direito à vida refere-se ao ser humano, também o embrião estaria incluído na sua proteção jurídica, porquanto é ser e é humano.

Finalmente, o CFM tratou da reprodução assistida post mortem, permitida desde que haja autorização prévia específica do falecido para o uso do material biológico criopreservado.
São questões, como se vê, extremamente polêmicas, para as quais nem o Direito nem a ciência possuem as respostas adequadas. Não podem, por isso, ter a seu regramento circunscrito a mera resolução do Conselho Federal de Medicina, já que extrapolam a seara exclusivamente ética, exigindo a intervenção do legislador. É surpreendente que um Estado que possui uma das maiores produções legislativas do mundo ainda não tenha regulamentado uma matéria de tamanha relevância para a sociedade.


Mário Delgado, advogado, é professor de Direito Civil, mestre em Direito Civil e vice-presidente da Comissão de Direito Civil da OAB-SP.

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