20/05/2010

Saúde da Família corre risco



Programa enfatiza vínculo entre médico e paciente, mas carga horária e dificuldades para morar no interior afastam profissionais




A exigência de trabalhar 40 horas por semana e a dificuldade de fixar médicos no interior pode estrangular a Estratégia Saúde da Família (ESF) - o antigo Programa Saúde da Família (PSF) do Governo Federal - no Paraná. A conclusão é de uma auditoria operacional realizada pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) em 49 municípios, entre abril e novembro do ano passado. Con­siderada referência no mundo, a estratégia é elogiada por inverter a lógica de tratamento, com foco na prevenção de enfermidades, incluindo a visita de médicos aos pacientes quando acamados, e tornar a unidade de saúde porta de entrada para o SUS, evitando a busca direta por hospitais.


Se o principal problema está na carga horária, o raciocínio mais simples afirma que bastaria diminuí-la. No entanto, a sugestão não funciona na prática. O Ministério da Saúde, em e-mail enviado à Gazeta do Povo, ressalta a necessidade das 40 horas semanais, essenciais para o cumprimento das atribuições das equipes de Saúde da Família. Entre os gestores da medicina, há divisão clara entre quem defende a diminuição e quem entende que a redução da carga horária pode causar repercussão negativa à sociedade. O meio termo não foi encontrado.


Uma das principais premissas da estratégia é a criação do vínculo de confiança entre famílias e profissionais. O tempo de permanência de médicos no programa, no entanto, é considerado escasso: cerca de 67% dos médicos permanecem por no máximo três anos. "O salário é condizente com a realidade (76% ganham mais de R$ 5 mil mensais), mas as cidades do interior não oferecem oportunidades de lazer, capacitação e moradia", explica a analista de controle do TCE-PR e coordenadora da auditoria, Luciane Ferraz Bortolini. "Como a estratégia prega a formação de vínculo, a rotatividade é um problema", acrescenta.


Apesar da discussão sobre a carga horária, seria irresponsável apontar a classe médica como único ponto de fragilidade. Aproxi­madamente 51,3% da população paranaense - cerca de 5,4 milhões de pessoas - é atendida pela iniciativa, superando a média nacional de 49,3%. No ano passado, no estado, existiam 1.673 equipes de Saú­de da Família atuando, uma defasagem de 2.745 equipes em relação ao teto de 4.418 unidades estabelecido pelo Ministério da Saúde.


Outro quesito a melhorar é o monitoramento realizado pela Secretaria de Estado da Saúde (Sesa). É dela a incumbência de repassar as verbas federais encaminhadas, desde que seja feito o acompanhamento do trabalho das equipes e a análise de cumprimento da jornada de trabalho. Os recursos não deveriam ser repassados se houver irregularidade, mas a própria Sesa admite a dificuldade de fiscalização. "Estamos trabalhando no fluxo de controle, que precisa ser aprimorado", afirma o secretário de Estado da Saúde, Carlos Moreira Júnior.



Beneficiários


Quase 58% dos beneficiários acreditam que, com a Estratégia de Saúde da Família, o acesso às unidades de saúde e aos médicos foi facilitado. "O médico e os agentes visitavam minha irmã sempre, ainda mais agora que ela está nas últimas semanas de gravidez", relata a diarista Joceli Velozo. Assim como parte da população do bairro Campo do Santana, na região sul de Curitiba, Joceli procura a Unidade de Saúde Rio Bonito quando tem necessidade, e integra um sistema em que estão cadastradas cerca de 14 mil pessoas, divididas entre as quatro equipes de Saúde da Família responsáveis pelo atendimento da unidade.


Quando estava acamada, a auxiliar de cozinha Valdevina da Luz, 47 anos, foi visitada por um médico. O procedimento não é corriqueiro: 77,5% dos usuários nunca receberam o profissional em casa. "O médico ia me consultar em casa a cada 15 dias. Eu tinha de responder a um questionário imenso. Quando meu marido ficou doente, ele foi também", conta Valdevina. Os profissionais realizam consultas a domicílio em casos específicos, como urgências, acompanhamento de casos que fogem do padrão, ou quando o usuário está impossibilitado de ir à Unidade de Saúde.



Metodologia


Por meio de questionários na internet, profissionais que atuam no programa, gestores municipais e estaduais de saúde puderam responder questões elaboradas pelo TCE. O objetivo era colher opiniões de todos os envolvidos no processo. Uma equipe de técnicos do Tribunal visitou 49 municípios, onde entrevistou agentes comunitários e usuários, tanto nas unidades de saúde como em suas casas - dois municípios não implantaram o programa e serviram de comparação.



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Nos corredores das instituições de ensino e nos consultórios médicos, corre o burburinho de que o médico que busca a área de Saúde da Família não foi capaz de se especializar em outro ramo da Medicina. Uma das recomendações do TCE ao Ministério da Saúde é a tentativa de inclusão, na grade curricular das facudades, de conteúdo direcionado à formação generalista com ênfase na atenção básica.



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Não é só a Estratégia de Saúde da Família que tem dificuldades para fixar médicos no interior. O problema é recorrente no Brasil. Mais da metade dos médicos do Paraná se concentra na capital. Dos 16.894 profissionais registrados, 8.661 estão na região de Curitiba. Os demais 46% procuram as principais cidades do interior para viver, deixando as menores localidades pouco assistidas. Londrina registra 1,7 mil médicos, seguida por Maringá (1,1 mil) e Cascavel (600).



Intermediação de ONGs deve ser evitada

Um quarto dos médicos afirma ter sido contratado via empresa terceirizada (ONG ou Organização da Sociedade Civil de Interesse Público), mas o Ministério da Saúde não recomenda esse tipo de contratação, sugerindo que os acordos sejam realizados via concurso interno, contrato de prestação de serviços ou estatuto. De acordo com o Tribunal de Contas, cada caso precisa ser analisado individualmente para não haver injustiças. "Muitas vezes esses contratos são feitos para suprir uma demanda. É preferível ter médicos atendendo à população dessa maneira do que simplesmente cancelar o contrato", diz Mauro Munhoz, diretor de contas estaduais do TCE, enfatizando que a solução é aceitável apenas em casos excepcionais.



Fonte: href="http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?id=1004496&ch" target="_blank">Gazeta do Povo

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