Programa enfatiza vínculo entre médico e paciente, mas carga horária e dificuldades para morar no interior afastam profissionais
A exigência de trabalhar 40 horas por semana e a dificuldade de fixar médicos no interior pode estrangular a Estratégia
Saúde da Família (ESF) - o antigo Programa Saúde da Família (PSF) do Governo Federal - no Paraná. A conclusão é de uma auditoria
operacional realizada pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) em 49 municípios, entre abril e novembro do ano passado. Considerada
referência no mundo, a estratégia é elogiada por inverter a lógica de tratamento, com foco na prevenção de enfermidades, incluindo
a visita de médicos aos pacientes quando acamados, e tornar a unidade de saúde porta de entrada para o SUS, evitando a busca
direta por hospitais.
Se o principal problema está na carga horária, o raciocínio mais simples afirma que bastaria diminuí-la. No entanto, a
sugestão não funciona na prática. O Ministério da Saúde, em e-mail enviado à Gazeta do Povo, ressalta a necessidade das 40
horas semanais, essenciais para o cumprimento das atribuições das equipes de Saúde da Família. Entre os gestores da medicina,
há divisão clara entre quem defende a diminuição e quem entende que a redução da carga horária pode causar repercussão negativa
à sociedade. O meio termo não foi encontrado.
Uma das principais premissas da estratégia é a criação do vínculo de confiança entre famílias e profissionais. O tempo
de permanência de médicos no programa, no entanto, é considerado escasso: cerca de 67% dos médicos permanecem por no máximo
três anos. "O salário é condizente com a realidade (76% ganham mais de R$ 5 mil mensais), mas as cidades do interior não oferecem
oportunidades de lazer, capacitação e moradia", explica a analista de controle do TCE-PR e coordenadora da auditoria, Luciane
Ferraz Bortolini. "Como a estratégia prega a formação de vínculo, a rotatividade é um problema", acrescenta.
Apesar da discussão sobre a carga horária, seria irresponsável apontar a classe médica como único ponto de fragilidade.
Aproximadamente 51,3% da população paranaense - cerca de 5,4 milhões de pessoas - é atendida pela iniciativa, superando a
média nacional de 49,3%. No ano passado, no estado, existiam 1.673 equipes de Saúde da Família atuando, uma defasagem de
2.745 equipes em relação ao teto de 4.418 unidades estabelecido pelo Ministério da Saúde.
Outro quesito a melhorar é o monitoramento realizado pela Secretaria de Estado da Saúde (Sesa). É dela a incumbência de
repassar as verbas federais encaminhadas, desde que seja feito o acompanhamento do trabalho das equipes e a análise de cumprimento
da jornada de trabalho. Os recursos não deveriam ser repassados se houver irregularidade, mas a própria Sesa admite a dificuldade
de fiscalização. "Estamos trabalhando no fluxo de controle, que precisa ser aprimorado", afirma o secretário de Estado da
Saúde, Carlos Moreira Júnior.
Beneficiários
Quase 58% dos beneficiários acreditam que, com a Estratégia de Saúde da Família, o acesso às unidades de saúde e aos médicos
foi facilitado. "O médico e os agentes visitavam minha irmã sempre, ainda mais agora que ela está nas últimas semanas de gravidez",
relata a diarista Joceli Velozo. Assim como parte da população do bairro Campo do Santana, na região sul de Curitiba, Joceli
procura a Unidade de Saúde Rio Bonito quando tem necessidade, e integra um sistema em que estão cadastradas cerca de 14 mil
pessoas, divididas entre as quatro equipes de Saúde da Família responsáveis pelo atendimento da unidade.
Quando estava acamada, a auxiliar de cozinha Valdevina da Luz, 47 anos, foi visitada por um médico. O procedimento não
é corriqueiro: 77,5% dos usuários nunca receberam o profissional em casa. "O médico ia me consultar em casa a cada 15 dias.
Eu tinha de responder a um questionário imenso. Quando meu marido ficou doente, ele foi também", conta Valdevina. Os profissionais
realizam consultas a domicílio em casos específicos, como urgências, acompanhamento de casos que fogem do padrão, ou quando
o usuário está impossibilitado de ir à Unidade de Saúde.
Metodologia
Por meio de questionários na internet, profissionais que atuam no programa, gestores municipais e estaduais de saúde puderam
responder questões elaboradas pelo TCE. O objetivo era colher opiniões de todos os envolvidos no processo. Uma equipe de técnicos
do Tribunal visitou 49 municípios, onde entrevistou agentes comunitários e usuários, tanto nas unidades de saúde como em suas
casas - dois municípios não implantaram o programa e serviram de comparação.
href="http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?tl=1&id=1004498&tit=Medicos-veem-area-com-preconceito"
target="_blank">Médicos veem área com preconceito
Nos corredores das instituições de ensino e nos consultórios médicos, corre o burburinho de que o médico que busca a área
de Saúde da Família não foi capaz de se especializar em outro ramo da Medicina. Uma das recomendações do TCE ao Ministério
da Saúde é a tentativa de inclusão, na grade curricular das facudades, de conteúdo direcionado à formação generalista com
ênfase na atenção básica.
href="http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?tl=1&id=1004500&tit=CFM-indica-ma-distribuicao-de-profissionais"
target="_blank">CFM indica má distribuição de profissionais
Não é só a Estratégia de Saúde da Família que tem dificuldades para fixar médicos no interior. O problema é recorrente
no Brasil. Mais da metade dos médicos do Paraná se concentra na capital. Dos 16.894 profissionais registrados, 8.661 estão
na região de Curitiba. Os demais 46% procuram as principais cidades do interior para viver, deixando as menores localidades
pouco assistidas. Londrina registra 1,7 mil médicos, seguida por Maringá (1,1 mil) e Cascavel (600).
Intermediação de ONGs deve ser evitada
Um quarto dos médicos afirma ter sido contratado via empresa terceirizada (ONG ou Organização da Sociedade Civil de Interesse
Público), mas o Ministério da Saúde não recomenda esse tipo de contratação, sugerindo que os acordos sejam realizados via
concurso interno, contrato de prestação de serviços ou estatuto. De acordo com o Tribunal de Contas, cada caso precisa ser
analisado individualmente para não haver injustiças. "Muitas vezes esses contratos são feitos para suprir uma demanda. É preferível
ter médicos atendendo à população dessa maneira do que simplesmente cancelar o contrato", diz Mauro Munhoz, diretor de contas
estaduais do TCE, enfatizando que a solução é aceitável apenas em casos excepcionais.
Fonte:
href="http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?id=1004496&ch" target="_blank">Gazeta do Povo