Saúde privada: uma terra sem lei

Nos idos de 1998, quando da aprovação da Lei 9656, brevemente chegou-se a sonhar que a saúde privada enfim viveria dias melhores e relações menos conflitantes. Esperava-se que os pacientes tivessem seus direitos garantidos e que as punições para os abusos dos planos de saúde fossem exemplares.

O sonho, como é público, pouco durou. Bastou que a legislação entrasse em vigor para que as empresas começassem a driblá-la, sempre trazendo prejuízos aos usuários e aos prestadores de serviços, como os médicos.

Quase dez anos passados, podemos afirmar que prosseguimos num pesadelo. Parte das intermediadoras de saúde continua pressionando os profissionais de medicina a reduzir as solicitações de exames, de internações e outros procedimentos. Se uma tragédia ainda não aconteceu no setor, é porque os médicos têm um compromisso sólido com os pacientes, não cedem às ameaças das empresas e denunciam sempre as tentativas de coerção.

Porém, este não é o único caminho que as más empresas enveredam em busca do lucro fácil. Como enxergam a saúde como um simples meio de ganhar mais dinheiro, negam cobertura a muitos procedimentos e descredenciam unilateralmente clínicas, laboratórios e hospitais de ponta. Simultaneamente, se negam a reajustar os honorários dos médicos, condenando-os a trabalhar por quantias irrisórias. Ainda hoje há quem pague algo em torno de R$ 10,00 por consulta.

Outra forma de burlar a lei tem sido constantemente denunciada pela própria imprensa. Atualmente, planos de saúde devem cerca de R$ 400 milhões ao Sistema Único de Saúde (SUS), valor que deixaram de ressarcir, entre 1999 e fevereiro deste ano, em virtude de seus usuários serem atendidos em hospitais públicos.

O Tribunal de Contas da União (TCU) auditou a conta, chegando à conclusão de que as operadoras só repassaram 5,9% do que deviam ao SUS. A quem culpe a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) de não estar se empenhando devidamente para obter o ressarcimento. Seja como for, certo é que verbas que poderiam ser utilizadas para melhorar o atendimento dos cidadãos menos favorecidos economicamente continuam à margem do sistema por má fé de uns e incompetência de outros.

Como se tamanho absurdo fosse pouco, os aumentos abusivos prosseguem, caracterizando uma política que prioriza operadoras em detrimento de pacientes. Em junho, por exemplo, a ANS autorizou que planos anteriores a 1999 fossem majorados em média 11%, enquanto a inflação acumulada no período ficou em 4,23%.

Infelizmente, a saúde privada segue sendo terra de ninguém. Portanto, faz-se necessária a urgente união de médicos e pacientes para exigir das autoridades aquilo que nada mais é do que nosso direito: respeito e atendimento de qualidade.


Eleuses Vieira de Paiva, ex-presidente da Associação Médica Brasileira

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