13/09/2007

Sem dinheiro, hospitais ameaçam fechar 500 leitos de saúde mental

Atendimento a pacientes com transtornos psiquiátricos pode ser suspenso no dia 29 de setembro


Das 1,7 mil vagas que ainda restam no sistema de internação para pacientes com transtornos mentais no Paraná, cerca de 500 podem deixar de existir a partir do próximo dia 29. Os hospitais psiquiátricos alegam que o valor pago pelo Ministério da Saúde pelas diárias hospitalares (R$ 28,54) é muito baixo. "É o colapso anunciado da saúde mental no Paraná", afirma a diretora de Psiquiatria da Federação dos Hospitais e Estabelecimentos de Serviços de Saúde no Estado do Paraná (Fehospar) e diretora do Hospital Psiquiátrico de Maringá, Maria Emília Parisoto de Mendonça. Nos últimos cinco anos já desapareceram outros 1,7 mil leitos no interior do estado.
Três clínicas de Londrina e um hospital de Maringá compõem o movimento, que só não é maior devido a situações específicas de cada entidade. O Hospital Psiquiátrico de Piraquara, San Julian, maior do estado com 400 leitos, diz que só não interrompe as atividades também porque está em uma situação pior do que as outras entidades. "Nossa vontade é fechar, mas não temos condições financeiras de arcar com os encargos. Já temos uma dívida acumulada desde 1999 de R$ 6 milhões a R$ 8 milhões, e que aumenta mês a mês", diz o diretor-geral Alexandre Daciuk.

"É a asfixia dos hospitais psiquiátricos. O Ministério da Saúde aumenta as exigências de funcionários, sem reajuste adequado da tabela", desabafa Maria Emília. "Há seis anos os hospitais estão pagando para atender, acumulando dívida de aproximadamente R$ 1 milhão. Subsidiando o que é dever do estado. A capacidade de endividamento chegou ao limite. Em 2006, para dar 13.º salário aos funcionários, os hospitais tiveram que pedir empréstimo", exemplifica a diretora da Fehospar.

Para se ter uma idéia de como a diária paga aos hospitais está defasada, segundo Maria Emília, o dinheiro gasto com a compra de medicamentos para um paciente com transtorno mental custa, por dia, R$ 30 em média. "Só esse gasto já é maior que a diária, agora soma-se a isso cinco refeições diárias, médicos, nutricionistas, assistente social e os demais especialistas necessários para um atendimento eficiente", explica.

Para continuar atendendo, os hospitais pedem um repasse maior do governo do estado para que o valor da diária chegue a pelo menos R$ 50. O pedido foi feito no último dia 28, na Comissão de Saúde Pública da Assembléia Legislativa, data em que foi firmado o prazo de 30 dias para resolver o problema e evitar a suspensão do atendimento.

O presidente da comissão, Ney Leprovost (PP), confirma que a situação é gravíssima. Segundo ele, a comissão protocolou na última segunda-feira um projeto de indicação para que o governo faça um repasse emergencial de R$ 3 milhões aos hospitais psiquiátricos. A previsão é que o projeto seja votado no início da semana que vem.
A Secretaria de Estado de Saúde informou, por meio de nota, que está em contato com os hospitais que disponibilizam leitos psiquiátricos para fechar uma parceria para o atendimento a esses pacientes. Segundo a secretaria, já foi disponibilizado um investimento mensal de R$ 250 mil a R$ 300 mil.


Ponta Grossa lamenta até hoje fechamento do Franco da Rocha

A cidade de Ponta Grossa, nos Campos Gerais, assistiu ao fechamento do Hospital Psiquiátrico Franco da Rocha por causa dos mesmos problemas financeiros que atingem Maringá e Londrina. Os pacientes com transtornos mentais da região ficaram sem atendimento adequado e precisaram ser atendidas no Pronto-Socorro Municipal sem estrutura e junto com pacientes clínicos. Hoje, quem precisa de internamento tem de recorrer a uma longa fila de espera nos hospitais psiquiátricos de Piraquara e Curitiba.

A dona de casa Jacira Kroin, 50 anos, cuida sozinha dos dois filhos que sofrem de um quadro grave de esquizofrenia. Ela ainda sente saudades do Franco da Rocha e o motivo é que desde que o hospital fechou, em novembro de 2004, seus filhos já foram internados mais de cinco vezes no Hospital de Neuropsiquiatria do Paraná - San Julian, em Piraquara, a 130 quilômetros de Ponta Grossa. A última internação ocorreu no dia 18 de junho. Geovani Ramos, 26 anos, voltou na segunda-feira, enquanto Luciano Ramos, 30 anos, continua internado. Durante esses quatro meses, Jacira só foi visitar os filhos uma vez. "Precisava ir de novo e até que a ambulância leva, mas não posso deixar o Geovani sozinho", explica. Os dois filhos de Jacira freqüentam o Centro de Atenção Psicossocial (Caps), inaugurado há mais de um ano. Segundo ela, ambos têm melhorado com o acompanhamento, mas continuam tendo as crises.


Só 18% dos municípios paranaenses têm Centros de Atenção Psicossocial


A redução de leitos de internação faz parte da reforma psiquiátrica estabelecida pelo governo federal. O atendimento deveria migrar para os Centros de Atenção Psicossocial (Caps) e para leitos em hospitais gerais. Porém, dos 399 municípios do Paraná, apenas 72 possuem Caps e ainda existe muita resistência dos hospitais gerais na aceitação de pacientes com transtornos mentais. Os doentes deixam de ser recebidos pelos hospitais especializados e ficam desatendidos pelo sistema público de saúde. "A reforma psiquiátrica é um genocídio com o paciente mental pobre", afirma a diretora de Psiquiatria da Fehospar, Maria Emilia Parisoto de Mendonça. Como os hospitais que ameaçam interromper o atendimento a pacientes do SUS atendem a várias cidades de suas regiões, esses municípios menores serão os mais prejudicados, aumentando ainda mais o deslocamento pelo estado à procura de internação.

A cidade de Maringá poderá perder 240 leitos de internação psiquiátrica. Segundo a coordenadora de saúde mental do município, Claudiane Fernandes Rosa, o atendimento será prejudicado. "Se isso acontecer, Maringá ficará com apenas 16 leitos de internação", conta. Ainda segundo ela, a prefeitura ainda negocia com o hospital uma saída para o impasse.

Já a secretária de Saúde de Londrina, Marlene Zucoli, diz que a administração iniciou um estudo para ter o diagnóstico da real condição das clínicas psiquiátricas particulares. "Ainda não posso dizer se eles realmente precisam de ajuda financeira", diz.

Apenas Curitiba oferece a complementação financeira da diária, que pode chegar a R$ 22, para os três hospitais que atendem pacientes psiquiátricos na capital. Segundo a coordenadora do programa de saúde mental da Secretaria de Saúde da capital, Cristiane Venetikides, o auxílio só é dado aos hospitais que alcançam as metas de qualidade impostas pela secretaria. "É a forma que encontramos para diminuir a defasagem financeira e garantir qualidade no atendimento", afirma.


Fonte: Gazeta do Povo

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