11/04/2007

Toque terapêutico


Hospitais nos EUA passam a oferecer massagens para complementar tratamento; no Brasil, alguns médicos indicam, mas afirmam que não substitui medicina tradicional

Que uma boa massagem tem o poder de relaxar e renovar as energias é algo de que pouca gente duvida. Quem costuma freqüentar a maca de um massoterapeuta certamente já experimentou a sensação de "sair flutuando", "como novo", de uma sessão.

Pois essa prática milenar chegou às receitas médicas. Nos EUA, vários hospitais já oferecem massagens terapêuticas para complementar o tratamento de doenças como enxaqueca, escoliose, má circulação, fibromialgia e hipertensão.
Uma pesquisa divulgada em julho do ano passado pela American Hospital Association mostrou que, dos 1.394 hospitais ouvidos, 370 (26,5%) oferecem algum serviço de medicina alternativa ou complementar -mais da metade devido à percepção de sua eficácia no dia-a-dia da clínica. Em 1999, quando o estudo começou a ser feito, esse índice era de apenas 7,7%. Entre os tratamentos incluídos, a massagem é o mais presente: é oferecida em 71% deles.

Hospitais ligados a universidades consagradas, como a Columbia e a de Stanford, são alguns dos que oferecem a "terapia do toque". No Stanford Hospital & Clinics, os benefícios atribuídos à massagem pelo Centro de Medicina Integrativa incluem "reduzir a dor", "aumentar o fluxo sangüíneo" e "diminuir a tensão muscular".

O hospital oferece modalidades que vão da tradicional massagem sueca à chamada "deep tissue" (pressões que ajudam a reduzir a tensão muscular). "Nos últimos sete anos, a demanda dos médicos pela massagem vem aumentando. Por exemplo, uma equipe que faz uma cirurgia neurológica chamada estimulação cerebral profunda agora está pedindo que um massoterapeuta trabalhe junto na sala de operação", disse à Folha Teresa Reyna, diretora de programas e operações do hospital.

"Massagear os músculos e os tecidos moles estimula os nervos, aumenta o fluxo sangüíneo e alivia o estresse muscular", anuncia o site do New York-Presbiterian Hospital, ligado à Universidade Columbia. Lá, pacientes que acabam de passar por uma cirurgia cardíaca, por exemplo, têm direito a pelo menos uma sessão de massagem. O hospital possui ainda um centro para pesquisar a eficácia do método no tratamento de doenças.

No Boone Memorial Hospital, em Madison, o serviço existe desde 1999 e foi criado "para atender à demanda crescente da comunidade". Outro exemplo é o California Pacific Medical Center, centro médico acadêmico no qual técnicas como massagem sueca, acupressão (massagem nos mesmos pontos que norteiam a acupuntura) e "deep tissue" estão à disposição das pacientes atendidas no setor de saúde feminina.


No Brasil

Por aqui, ainda é raro encontrar esse tipo de serviço. A Folha entrou em contato com diversos hospitais de São Paulo, particulares ou ligados a universidades como a USP (Universidade de São Paulo) e a Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), mas nenhum deles oferece massagem como complemento a tratamentos.

O que acontece é que alguns médicos, individualmente, recomendam que seus pacientes procurem a técnica. Como a capacidade de aliviar tensões musculares é um dos efeitos da massagem mais aceitos entre os médicos, as indicações mais freqüentes são de áreas como medicina esportiva, ortopedia e fisiatria.

"Indicamos bastante, principalmente para reduzir as dores musculoesqueléticas. Complementa o tratamento e geralmente traz muito alívio. Só fica difícil em casos crônicos", diz o fisiatra Gilson Shinzato, do HCor (Hospital do Coração) de São Paulo.

O médico costuma receitar a massagem para dores e espasmos musculares, principalmente como uma preparação para os alongamentos. "O shiatsu e a acupressão, por exemplo, podem ajudar a preparar os pacientes para fazer esses exercícios sem dor."

Segundo Shinzato, a massagem também pode ser útil para quem passou por uma cirurgia cardíaca. "Alguns pacientes sentem uma dor torácica que lembra um infarto. Isso assusta muito. Uma terapia manual bem feita pode fazer a dor desaparecer e aliviar a angústia. O aspecto psicológico, de conforto ao paciente, aliás, é sempre muito importante na massagem", lembra.

Ele alerta, no entanto, para as contra-indicações: "Quem tem infecção, trombose, problema de coagulação ou osteoporose muito grave não deve fazer".

Com diversas hérnias de disco, a terapeuta floral Vera Lúcia Seixas Lopes, 60, passou por vários médicos, ficou dois meses de cama e cogitou a possibilidade de uma cirurgia -até que foi a um ortopedista que indicou a massagem. "Cheguei a tomar morfina, mas nada resolvia. Encontrei um médico que disse que eu não podia ficar tomando antiinflamatórios a vida toda e me encaminhou para a massagem. A dor diminuiu muito", conta.

O massoterapeuta de Lúcia, Mário Rocha, diz que já atendeu pessoas com problemas como enxaqueca decorrente de contraturas na região cervical ou seqüelas motoras de acidente vascular encefálico. Ele trabalha com diversas técnicas orientais (como tuiná e shiatsu) e ocidentais (como drenagem linfática) e diz que poucos médicos conhecem modalidades como a reflexologia. "Eles costumam indicar massagens mais tradicionais, geralmente para problemas musculares."

Para o reumatologista Ari Stiel Radu-Halpern, presidente da Sociedade Paulista de Reumatologia e chefe do grupo de coluna do serviço de reumatologia do Hospital das Clínicas de São Paulo, as massagens acabam sendo aplicadas rotineiramente nos hospitais brasileiros pelas mãos dos fisioterapeutas. "Não é verdade que não se usa. Quando um médico pede fisioterapia, isso pode incluir tratamento manual. A massagem é um dos instrumentos do fisioterapeuta", diz.

Ele indica o método para alguns pacientes e o considera eficaz para diminuir a dor. "Tem eficácia analgésica, sim. Ao atuar sobre a musculatura, provoca alívio nas contrações musculares, que podem ser a própria causa da dor. Mas a maior ou menor eficácia depende da situação. Como o efeito é de curta duração, é melhor para dores agudas."

Em sua opinião, não dá para dizer que a massagem é uma panacéia nem que seja sem utilidade. "O grande erro é procurar a massagem para algum problema de saúde sem antes ir a um médico. Quem fizer isso pode deixar de ter um diagnóstico e uma indicação de tratamento corretos. É um tratamento adjuvante, e não de base", alerta.

A cinesiologista Mariana Esposel Meyer, que trabalha na clínica de Radu-Halpern, afirma que a massagem vai muito além do relaxamento e da estética. Segundo ela, dois efeitos imediatos da técnica são a melhora na circulação e no humor. "Há liberação de endorfina, da mesma forma que ocorre após um exercício físico. Também acontece uma melhora na retenção de líquidos."

Entre os benefícios mais duradouros, ela cita a regularização das funções hormonais. "A massagem tem um ritmo, uma ordem a ser seguida. Isso estimula as glândulas que secretam hormônios", explica.

Meyer utiliza o método principalmente para gerenciar a dor de pacientes em reabilitação, mas diz que é possível usá-lo para outros propósitos. "Dá, por exemplo, para regularizar o intestino de quem tem prisão de ventre com massagem, apalpando o bolo alimentar e movendo-o manualmente no sentido do funcionamento desse órgão. É delicado e um pouco dolorido, por isso tem que ser realizado por um profissional que saiba o que está fazendo, mas é eficaz", afirma, ressaltando que tudo isso tem que ser feito aliado a uma alimentação adequada.

"A massagem sozinha vai até um certo ponto. Se você recebe uma massagem e em seguida pega um trânsito de uma hora e meia, o efeito não dura muito."

A prisão de ventre é um dos vários problemas de saúde que o massoterapeuta Kiyoshi Nagaoka afirma aliviar. Segundo ele, que trabalha há quase 40 anos na área, a massagem pode ajudar, por exemplo, contra enxaqueca, problemas nos rins ou na tireóide. "O grande detalhe é regularizar a circulação sangüínea, o que costuma gerar melhora no processo que a pessoa apresenta", diz.

Segundo Nagaoka, poucos médicos acreditam nesse tipo de trabalho. Mas alguns de seus pacientes garantem que conseguiram melhorar muito com a técnica do massoterapeuta.

A assistente de consultório dentário Marisa Carvalho Gomes, 52, diz que a massagem a ajudou a superar diversos problemas, de inflamação no cotovelo a questões ginecológicas. "Tinha cisto de mama e vivia fazendo punções. Também estava com corrimento vaginal. Meu ginecologista ficou bobo quando viu que meus exames normalizaram", conta.

O administrador de empresas Fernando Lopes Nunes, 82, conta que a massagem ajudou a regularizar o funcionamento de seus rins. "Melhorou bastante. Quando não vou às sessões, sinto falta."

Pesquisas

A massagem também vem sendo alvo do estudo de cientistas, que querem desvendar o que acontece no organismo de quem recebe esse tipo de toque -e pesquisam se isso pode ajudar a tratar certas doenças.

Mas esses estudos ainda são escassos e muitos apresentam resultados contraditórios. Além disso, quase tudo o que existe na área é realizado em outros países -no Brasil, há pouquíssimos dados.

Nos Estados Unidos, um centro de pesquisas ligado à Universidade de Miami dedica-se exclusivamente ao estudo dos efeitos do toque sobre o organismo humano. O Touch Research Institute tem pesquisadores de universidades renomadas, como Harvard, Duke e Maryland, e acaba de completar 15 anos de existência.

Entre os efeitos positivos da massagem encontrados nos estudos, a diretora do instituto, Tiffany Field, destaca o aumento de peso em bebês prematuros, a melhoria da atenção, o alívio de sintomas depressivos, a redução da dor e dos hormônios estressores e a melhoria da função imune.

Ela disse à Folha que a indicação da massagem pelos médicos vem crescendo aos poucos por lá. "As seguradoras já começam a cobrir os custos."

Segundo Ari Radu-Halpern, na maioria dos casos não dá para dizer que a massagem seja consensualmente eficaz. "Exceto em algumas situações, como no alívio temporário de certas formas de dor crônica, ao fazermos um levantamento científico amplo vemos que não existem evidências de melhora de doenças", diz.

Ele ressalta que isso não significa que a técnica não funcione, mas que os estudos são escassos ou contraditórios e por isso não dá para afirmar categoricamente, pelo menos por enquanto, que ela ajude nessa ou naquela doença.

Ele também comenta a falta de estudos científicos que comparem os diversos tipos de massagem. "Não dá para dizer, com base científica, que um tipo seja superior ao outro."

Para a neurologista Dalva Poyares, do Instituto do Sono da Unifesp, esse é, de fato, um problema. "Há uma grande variedade de tipos de massagens e de tempo de massagem entre os estudos. Fica difícil avaliá-los e compará-los."


Pacientes com câncer e HIV são massageados

Ela chegou aos poucos. Começou massageando os funcionários, ganhou a confiança da diretoria e dos médicos e, com o tempo, conseguiu que a deixassem tocar nos pacientes. Hoje, a massoterapeuta Rosana Ades comanda uma equipe de voluntários no "Mãos que Cuidam", que atende pacientes com doenças como AIDS e tuberculose, todos do Instituto Emílio Ribas, especializado em infectologia.

"A massagem não faz parte do contexto hospitalar, e muita gente fica desconfiada. Só fui aceita ao provar que não ia prejudicar", conta.

Entre os benefícios, ela diz que o paciente se sente acolhido, fica mais calmo, tem menos dor, dorme melhor e fica até mais receptivo para os tratamentos tradicionais -chegando a tomar menos remédios ou a ter alta antes.
Ades toma uma série de cuidados para não se contaminar e para não contaminar um paciente que está com o sistema imunológico fragilizado. Luvas e, em certos casos, máscaras são acessórios obrigatórios. Ela conversa com os médicos e verifica se o paciente tem contra-indicações. Usa deslizamentos muito suaves. Às vezes, precisa driblar uma infinidade de catéteres e aparelhos conectados à pessoa.

"O ser humano tem necessidade do toque. Para pacientes com doenças que geram preconceito isso é ainda mais importante", afirma a infectologista Glória Brunetti, presidente do setor de voluntariado do Emílio Ribas.

Ela diz que pretende estudar cientificamente o efeito da massagem sobre os pacientes. "Mas individualmente vemos que funciona."

Câncer

Em seu consultório, Rosana Ades também atende pacientes com câncer. Ela fez um curso com a norte-americana Gayle McDonald, especialista em massagem para pacientes oncológicos.

Para isso, precisa derrubar tabus: muita gente acredita que a massagem pode espalhar o tumor ou provocar metástase. "Isso é um mito. Essa contra-indicação não tem comprovação", afirma a fisioterapeuta Sílvia de Cesare Denari, do Hospital do Câncer de São Paulo. Lá, aplica-se a massagem para aliviar conseqüências do câncer, como linfoedemas.

Segundo Ades, seu único cuidado com pacientes oncológicos é não massagear a área do tumor. "Na massagem hospitalar, menos é mais. O trabalho é suave."

Em uma paciente que estava com a pele muito machucada, ela usou um pincel. Às vezes, a pessoa é massageada durante a quimioterapia. Ela também incentiva os familiares a perder o medo de tocar no paciente. E alerta: "A massagem não substitui a medicina, a fisioterapia ou a enfermagem. É um complemento".



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