18/02/2011

Veto a inibidor de apetite favorece cirurgia bariátrica

Proibir drogas emagrecedoras, como quer a Anvisa, levará ao aumento no número de cirurgias de redução do estômago, dizem médicos. Com a possível retirada desses remédios do mercado, sobram poucas alternativas para tratar a obesidade.


Em muitos casos, a única saída será a cirurgia bariátrica, hoje indicada para pacientes com IMC (índice de massa corporal) acima de 35 e doenças associadas, como diabetes e hipertensão.

Já está em estudo nos EUA, na Itália e Espanha a redução do limite mínimo de IMC para a indicação da operação.
O cirurgião Ricardo Cohen, presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica, está coordenando uma pesquisa no Hospital Oswaldo Cruz sobre a eficácia da operação em pessoas com IMC entre 30 e 35. O estudo tem financiamento do Ministério da Saúde. Foram recrutados 105 voluntários, que serão operados dentro de semanas. Para Cohen, o procedimento é mais seguro do que as drogas. "Nunca se falou em retirar a cirurgia do mercado. Isso prova sua segurança", diz.

A previsão é que neste ano sejam feitas 70 mil reduções de estômago no país. Para Alfredo Halpern, endocrinologista do Hospital das Clínicas, o aumento das cirurgias preocupa: "Não é mais simples tomar remédio? Faço um paciente perder 30 kg só com medicação".

Estudos mostram que 16% das pessoas que passam por redução do estômago têm alguma alteração neurológica, como perda de memória ou confusão mental, diz Eduardo Mutarelli, neurologista do Hospital Sírio-Libanês.



Onda de proibição


A Anvisa estuda proibir a sibutramina, droga que age no sistema nervoso central, desde o início de 2010.
Ontem, anunciou uma audiência pública para quarta, em que será apresentado um parecer pedindo a proibição dos medicamentos com sibutramina e três tipos de anfetamina: anfepramona, femproporex e mazindol.

A decisão deve ser divulgada no dia 1º de março.
A Anvisa diz que a sibutramina tem baixa eficácia e eleva em 20% o risco cardíaco. O parecer foi embasado no estudo Scout, feito em 16 países, que saiu no "New England Journal of Medicine".

Na pesquisa, 10 mil obesos com mais de 55 anos e histórico de doenças cardíacas tomaram sibutramina por três anos e quatro meses.

Segundo Walmir Coutinho, da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia e um dos autores do estudo, os resultados não justificam proibir a droga.
O cardiologista Daniel Magnoni, do HCor, diz que o problema é a vulgarização da droga. "Com uso correto, as complicações são menores."

A única droga para obesidade fora da mira da Anvisa é o Xenical (orlistate), que não é um inibidor de apetite: diminui a absorção de gordura.
"Só isso não resolve. Uma pessoa com compulsão não vai ser curada", diz Halpern.



Assunto ainda está em debate, diz Anvisa


Dirceu Barbano, diretor da Anvisa, afirma que o parecer que pede a proibição dos remédios emagrecedores ainda pode ser revisto. "Algumas entidades médicas dizem que a única alternativa terapêutica de uma faixa de pacientes são essas drogas. Não queremos deixar ninguém sem tratamento."

Segundo Barbano, a Anvisa ainda não tem essas informações. "Se isso for comprovado com dados consistentes, podemos rever o parecer. A audiência pública é justamente para discutir isso."

A decisão deve ser tomada no dia 1º de março pela cúpula da agência, que hoje tem só três diretores -normalmente, são cinco, mas dois cargos estão vagos e dependem da indicação da presidente Dilma Rousseff.

Segundo Barbano, os riscos dos medicamentos são muito maiores do que os benefícios. Ele diz que é preciso encontrar outras alternativas para tratar a obesidade sem o uso de anorexígenos.

O diretor da agência não acredita que o cancelamento do registro dessas drogas cause um crescimento no número de cirurgias bariátricas. "Os médicos podem encontrar outras alternativas de tratamento, como dieta, exercícios físicos e tratamentos de comorbidades."

O Ministério da Saúde diz que tem feito esforços para prevenir a obesidade, como estímulo a alimentação saudável e exercícios.



"Remédios são tentadores, mas devem ser proibidos", diz médico


Médico pesquisador na área de obesidade e emagrecimento, Pieter Cohen, professor-assistente da Harvard Medical School, defende que drogas como a sibutramina sejam proibidas. A seguir trechos da entrevista à Folha.



Folha - O sr. acredita que banir a venda de emagrecedores é o melhor para o obeso?


Pieter Cohen - Quando as drogas para a perda de peso aumentam os riscos de doenças graves, como derrames e ataques cardíacos, é importante removê-las do mercado. É muito tentador ter medicamentos que causam perda de peso a curto prazo, mas representam riscos à saúde. Orlistat [Xenical] é hoje o único medicamento de segurança, embora não seja muito eficaz. Todos os outros disponíveis, incluindo sibutramina, deveriam ser proibidos.



Segundo endocrinologistas, a sibutramina é segura se bem-indicada, e sua proibição vai aumentar a obesidade. O que sr. pensa sobre isso?


O estudo Scout mostrou que sibutramina aumenta o risco de doenças cardíacas e derrames. Na minha opinião baseada em evidências, ela não tem nenhum papel na atual gestão da obesidade.



Qual é o tratamento seguro para obesidade?


É o trabalho duro de comer menos, comer mais saudável e fazer mais exercício físico. É o único tratamento seguro e eficaz para a obesidade. Mas precisamos ter metas realistas. Mesmo com as mudanças no estilo de vida, perder 10% do próprio peso é excelente. Objetivos da perda de peso muitas vezes irrealistas levam a dietas perigosas.



E as cirurgias para a perda de peso? Não há risco de aumentar a indicação delas por conta da proibição das drogas?


A cirurgia gástrica "by pass" é o único tratamento reconhecido pela eficácia na significativa perda de peso, a longo prazo. Quando as pessoas sofrem de doenças relacionadas à obesidade e estão muito acima do peso é uma excelente opção. Para pacientes bem selecionados, os riscos são menores do que os riscos de sua obesidade. Quando feita em centros com grande experiência, pode ser muito benéfica, em especial para obesos com diabetes.



Balanço de riscos e benefícios não considera cada paciente

Hélio Schwartsman - Articulista da Folha

Decisões que reduzam o arsenal terapêutico à disposição dos médicos, como o provável banimento da sibutramina e de anfetaminas, são sempre complicadas.

O princípio em que a Anvisa se escuda para justificar a disposição é correto: os benefícios apresentados por uma droga devem superar seus riscos. A questão é que essa é uma conta quase impossível de fazer sem considerar cada paciente individualmente.

A menos que falemos de venenos sem uso terapêutico, sempre haverá um grupo de pacientes para o qual o remédio traz mais benefícios que riscos. Pode ser uma fatia pequena, mas, desde que a categoria exista, não há razão para privá-la da droga.

Em relação especificamente à sibutramina, a evidência científica disponível -o estudo Scout- é suficiente para recomendar que se redobrem os cuidados na prescrição, mas parece acanhada para sustentar o banimento.

Afinal, o que o trabalho apontou foi o aumento de 10% para 11,4% no risco de eventos cardiovasculares não letais em pacientes com mais de 55 anos, doença cardíaca ou diabetes e que fizeram uso prolongado da droga (média de 3,4 anos). É gente que, pela bula, nem deveria tomar o remédio. É temerário extrapolar esses achados para outras cortes.

Já as anfetaminas entraram na história porque a Anvisa sabiamente previu que o veto à sibutramina levaria os pacientes "órfãos" a buscar essa classe de anorexígenos.
Se olhasse mais longe, poderia antever também a migração para usos "off label" de antidepressivos -a bupropiona, usada contra o tabagismo, por exemplo, é uma molécula semelhante à dietilpropiona, anfetamina prestes a ser proibida. Também poderia haver recurso a drogas já ilegais, como as metanfetaminas (ecstasy).

Outro modo de interpretar os passos da Anvisa é que ela concluiu que médicos não são confiáveis para prescrever remédios, pois receitam qualquer coisa para qualquer um, justificando que se corte o mal pela raiz.

É possível que isso seja verdade, mas, neste caso, o buraco é mais embaixo. Aí é o próprio sistema de saúde, do qual a Anvisa faz parte, que fica sob suspeição.


Fonte: Folha de São Paulo

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